quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Vidinha

Tenho tido uma imensa preguiça de ler tudo o que despejam nos meus emails. Espanta-me a nulidade dos assuntos que, disfarçados de propagandas, promoções e informativos urgentes e importantes, misturados com centenas de mensagens ralas, enfeitadas com lindas imagens e trazidas em primorosas montagens em power points. Todas se apresentam com aquele alarde, traço característico daquilo ou de quem geralmente encobre uma única coisa: toda aquela pasmaceira não tem nada de útil ou de valor a oferecer. É um poço de ninharias, um grande vazio, uma perda de tempo que eu não suporto mais. Por que as pessoas passam tanto tempo na internet, eu não sei. Ou melhor, pensando bem, eu sei. Acho que é uma perseguição inconsciente do mito do ócio produtivo. As imagens da tela vão hipnotizando a pessoa, que inconsciente e indefesa, está a ser seduzida pelo sonho da vida ideal. Com tanta informação, e tantas possibilidades, quem sabe se ache alguma boa idéia que faça a vida ficar menos vidinha, menos sem-graça, menos comum. Vem lá umas coisas úteis, mas a grande maioria, verdadeiramente, certamente, indubitavelmente, inútil, que nada mudam. Um dia, meu pai, com aquele tom sóbrio e taciturno de quem já sabe o que vem pela frente na vida, me passou uma reprimenda, a qual me produziu um grande desconforto, em ver que eu me deixava seduzir também por essas baboseiras recheadas de sandices. Meu pai me perguntou a queima roupa, "quanto tempo você passa conectada à internet? Ai, ai, ai... gemi interiormente, esperando a tormenta que no céu da sala se anunciava. Naquela época - sou obrigada a admitir, porque não posso, não quero e não vejo proveito algum em mentir - eu estava fanática pela internet. Mas como eu pensava, pensava e não respondia, lá veio à reformulação da pergunta de quem não tem o hábito de abandonar nada pelo meio: "Conectada a internet, quanto de trabalho você produz e quanto do seu tempo você gasta ali?” Aquela frase soou como uma martelada batendo na minha cabeça. Expliquei algumas coisas ao meu velho pai. Penso que por estar velho, vai se desinformando sobre a modernidade. Ledo engano. Sabe mais ele da modernidade e dos seus nocivos efeitos do que eu. Expliquei que era possível falar com pessoas que estavam do outro do lado do mundo, achar um texto pouco conhecido ou divulgado, achar um livro, executar uma pesquisa. "Pai, há sites puramente científicos", mencionei, em tom grave. Na internet podemos achar todos os tipos de produtos e objetos. Lá vem ele, "alguns poucos úteis e outros tantos milhares inúteis. E sabe qual outro grave problema decorrente disso? as compras on line." Ai, ai, ai... gemi de novo. As compras on line que são tão fáceis de se fazer e tão difíceis de se pagar. Como num passe de mágica, em dois ou três dias chegavam à minha porta com espantosa rapidez os objetos desejados, me poupando do transtorno de procurar em vão nas lojas entupidas, rodar dezenas de quilômetros para encontrar uma vaga de estacionamento na rua, ser apertada pelo povaréu, me cansar e só me aborrecer. Daí percebi uma coisa. Algo, de repente, ficou muito claro na minha frente. Foi quase como um despertar, uma súbita iluminação mental no entendimento: não se acha nada do que você precisa, q u a n d o você precisa! E quanto mais precisa, mais procura, menos acha, mais se cansa e mais tempo se perde, e mais se frustra. Às vezes, precisamos desesperadamente. Seja de um sapato, de um presente de aniversário, ou de um livro, ou do papel fosco para desenhar os imprescindíveis croquis de projeto, ou um vestido para uma festa. Já me resignei com essa verdade, acho até que é mais do que uma verdade, é uma lei, não diria de Murphy, mas de Deus, que não quer que a gente desperdice a nossa inteligência com coisas vãs. Não quer que a gente sofra e se aflija por coisinhas. Deus quer nos proteger da mediocridade. "Não estejais inquietos por coisa alguma". Coisas terrenas e dispensáveis, coisas e coisinhas, passageiras e insuficientes em si mesmas para nos agregar algum valor de vida. Parei de procurar nas lojas, achei que tinha me libertado daquele tormento exaustivo e obrigatório de entrar de loja em loja, como se fosse uma maratona, ver o que combina com o que... os brincos com a amiga, o livro com o outro amigo, a caneta para uma pessoa formal e importante, a maquiagem que acabou. Que idiotice, pensei, as pessoas andando de carro, vagando, entupindo o centro daqui que já é minúsculo - resultado da organização provinciana de séculos atrás, onde a sociedade rica pelo café, não precisava se preocupar com a largura das ruas. Achavam que o mundo ia permanecer como estava, as mulheres passeando de chapéu, sombrinha e luvas, proseando na rua, desfilando seus vestidos naquele passo lento de quem não tem mais nada pra fazer, senão usufruir e ostentar suas riquezas. Os homens também, talvez de forma pouco mais produtiva, liam o jornal e falando de política ou dos acontecimentos locais, ou das belas damas que desfilavam ao redor, mas também eles estavam a exibir-se. Pelo menos tudo isso prestava para terem alguma vida social, coisa que não temos hoje. Não paramos na praça, não caminhamos no fim da tarde para ver o por do sol e conversar com os amigos e tomar um café, pensando nos acertos e desacertos daquele dia. Trabalhamos e trabalhamos e corremos e não nos sobra tempo para viver. Não temos quase que nenhuma vida social, embora tenhamos dezenas de opções de programas para fazer com aqueles poucos amigos que restaram e que valem à pena. Então achei de ser esperta e tratei de aproveitar o mais excelente recurso da tecnologia que nos é oferecido na atualidade -tão facilmente, embora não de graça - que é a internet. "Agora vai me sobrar mais tempo!"Caí fragorosamente, numa armadilha, noutro círculo de futilidades, um redemoinho que nos puxa para dentro do computador e ali vão se esvaindo as horas da vida que já é tão breve... e a gente a se afundar no mar dos anúncios, das pesquisas, das informações, pulando de um link para o outro, numa busca que não cessa, que não tem fim. Enquanto isso, perdemos de conversar com os filhos, que já passam tempo demais fora de casa. E também perdemos de olhar nos olhos do marido ou da esposa, e ver que o dia dele ou dela não foi nada fácil, e como cairia bem uma boa conversa e talvez um abraço. Mas não dá. Estamos lá presos na cadeira e colados ao computador. Disfarço, grito e minto: "já vou indo aí" . Mentira, não vou nada, não saio dali. As pessoas vão dormir e eu fico sozinha, cansada, com dores das costas. A cabeça fervilhando de informações de demorarei um século para separar as úteis das inúteis. Ficarei perdida fazendo essa seleção e quando eu achar o resultado, o problema já se resolveu e aí a informação tão preciosa que eu achei, não adiantará de nada. Sonhamos sonhos tão grandes e mesmo assim fazemos da vida uma coisa menor, confusa e vã, como as imagens que pulam nas telas, nos deixando de alma seca e mãos vazias.

Acaso

Se por acaso eu me perder de mim, e puder segurar tua mão e me achar de novo, Se por acaso eu tiver frio e sentir o teu calor e me aquecer de novo, Se por acaso eu me afogar nas minhas lágrimas e nada me consolar e nada me restar senão o teu abraço, Se por acaso as cores fugirem do meu dia e tudo ficar preto e branco e cinza e o teu sorriso for toda a cor que me restar , Se por acaso eu sentir uma tristeza tão funda que eu fique surda aos sons do mundo e a única coisa que eu ouvir for o teu falar, Se por acaso as palavras, minhas amigas de sempre, me faltarem e depender de ti a minha oração, E o acaso me trouxer um novo dia, um novo olhar, uma nova vida, a recomeçar novinha em folha, isenta de medos e sombras, limpa e clara como o vôo de uma borboleta, Aprenderei a sorrir contigo, A olhar o teu olhar de amigo, Me erguerei no apoio da tua fraterna mão - não estará tudo perdido - e acharei graça no teu falar , e voltarei a ter alegria e cor e riso e canção pra cantar... Não será acaso, não! Será perdão, será renovo será o amor que rega a tênue flor que esmaecida floresce outra vez... Será o amor de Deus que me socorre através de você... 24.fev.08