terça-feira, 17 de julho de 2018

O Maior Perigo de Viver


Eu sei que descobri  o maior perigo de viver.
Perigo e dor. A solidão me abraçou como uma madrasta.
E chorava comigo suas lágrimas geladas.
Você foi embora, envolto nos braços frios da morte e não retornou.

Foi sem avisar, sem pompa, sem chamar atenção.
Bem simplesmente, como você era mesmo.
Naquele dia, seus olhos se fecharam e em um momento, o sol se apagou
e a escuridão dominou minha alma.

À noite, eu sentava na cama, abria a janela e olhava as estrelas.
Eu olhava e esperava que elas me vissem. 
Eu esperava que elas me contassem onde você estava.
Elas piscaram para mim com compaixão, mas não me diziam nada.

Um dia, parei de perguntar. As lágrimas pararam de cair.
Aquela tristeza imensa estava lá dentro, mas seca.
Eu vi que o medo não me podia mais prender.
O medo de que você não voltaria, porque agora era real,
Não era uma brincadeira de esconde-esconde.
Você não vai voltar. Mesmo.Nunca.

Algo dentro de mim se atrevia a me dar instruções:
‘faça algo com esse espaço extra’,
‘faça algo com estas horas sem sentido que se arrastam para o nada.’
Mas como fazer algo novo no meio de uma dor antiga?
Ela é teimosa e já anunciou que não vai sair.

Eu me vi pensando que fui feliz por tanto tempo, mas não contei os dias,
Eu não escrevi em um diário, não me lembrava de todos eles,
mas eu sabia que existiram dias felizes e que foram muitos.
Porém isso tudo não era nada, pois eu estava de mãos vazias.

Eu me vi pensando que talvez eu devesse começar a contar os dias,
Escrevendo coisas em um diário. Então os dias não poderiam desaparecer.
E que tal mudar as coisas no lugar, mudar a mobília, respirar outro ar?
Pegar uma mala vazia e viajar, sentar no convés de um navio e,
enquanto o mar desenhasse as ondas,
Eu tiraria uma lembrança da bagagem e outra, e mais outra,
e jogaria, na vastidão das águas,  uma por uma,
até que toda a vida velha se fosse. 

Eu poderia, finalmente, eu e aquela mala vazia, viver outra vida,
porque havia ainda algum tempo,
e quem sabe, algum espaço fora o nada.