quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
Raios
Chove pra enjoar, neste fevereiro pré-carná. Estou ainda a arrumar a casa, tropeçando nas malas de viagem, das coisas dos filhos, filhas que entram e saem, filho que volta. Como é bom ter um filho que volta! Lembro-me da primeira vez que ouvi a história do filho pródigo, apaixonei-me instantaneamente. As coisas hoje em dia estão muito importantes, mais do que as pessoas. Mas das coisas tenho a dizer que por elas nutro algum apreço e algum prazer. Porém, elas me cansam, me enjoam, me aborrecem de tal maneira que quero jogá-las pela janela. Às vezes, jogo. Às vezes, não jogo. Suspiro e desvio o olhar, com desprezo. As coisas não me prendem por muito tempo, não exercem tanto poder sobre mim, não me podem escravizar. Já as pessoas, ai.
De tantas chuvas vieram uns raios, um deles me queimou a televisão, justo a do quarto. Olho agora para o buraco vazio em frente a cama. "Bem feito!" - uma vozinha cínica me grita no interior dos ouvidos - ''não é você que diz que não precisa da tv pra viver? então, agora aguenta!" Me recolho, humilhada até o último fio de cabelo, pensando no castigo merecido.
Mas o raio que queimou a tv, além de me tirar do conforto (e do tédio) que é distrair-me com a telinha, me causou um belo prejuízo. Ainda não sei se a tv se recupera. A pobre foi para o conserto e o velho japonês nada de ligar para dizer se a moribunda vai viver ou não.
Mas o silêncio do quarto contribui para que eu pense direito na vida, no começo de vida que este novo ano oferece. Penso no pouco que fiz e no muito que deixei de fazer. Ai, que dor me dá essa conclusão. Todo ano é a mesma coisa, fazer planos, para depois não chegar nem à metade! A vida é um despautério. Como se a gente controlasse alguma coisa! De que adianta fazer planos? Acaso alguém sabe se vai viver para executá-los? Restam-me, como sempre, os livros, acumulados em pilhas sobre o criado-mudo. A Nair, mulher piedosa que trabalha aqui em casa, me previne todos os dias dizendo: "qualquer dia essa pilha despenca sobre a senhora... e o que será?" Não dou bola e continuo a empilhar os livros na cabeceira. Tenho mania de ler, e de ler cinco coisas ao mesmo tempo. Coisa de louco, eu sei.
Meu marido, pensando em por fim aos meus tormentos, comprou-me, de surpresa, uma televisão de LCD. Instalou-a sozinho, com aquela habilidade cirúrgica que ele tem. Quando entrei no quarto, da tela preta novinha, puro ônix, emanava uma sedutora luz. E ele me sorriu, contente em querer me fazer feliz com o presente. A tv é a mesma coisa para mim, mas aquele sorriso encantador de garoto que ele tem sempre me toca, sempre me amolece, sempre me ilumina por dentro. Deixe que chova, fico com o teu sorriso.
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