quarta-feira, 23 de agosto de 2017

'Este Mundo Tenebroso' ou 'Rosinha Perde O Celular No Shopping'

Prezado Professor__________

Hoje, quarta feira, foi um dia terrível para mim. Vi 03 acidentes no trânsito e 01 deles foi quase em cima de mim, entrando na Saraiva dentro do shopping, onde fui procurar um livro. Achei o livro, saí da Saraiva e fui para o estacionamento pegar meu carro. Me dei conta que faltava o celular. Gelei... pensei, 'meu Deus, onde foi parar meu cel?' Eu sou muito, muito, muito, distraída... naquele nível de ver elefantes-cor-de-rosa-voando. Subi correndo de volta para a livraria, pensando 'deixei em cima do balcão do caixa na hora de pagar o livro' porque me lembro bem de ter, naquela hora, olhado as horas no celular. Cheguei na Saraiva e perguntei do celular, ninguém tinha visto e ninguém tinha achado nada. Eu sentia um arrepio gelado me descer pela coluna, pensando nas minhas imagens de edificações icônicas da Arquitetura Clássica, do Renascimento, nas obras preciosas de Bernini e Borromini, Michelangelo, Caravaggio (me passava a galeria dos gênios pela mente). Em seguida fui pensar nos meus contatos (alunos, clientes, familiares e amigos); nos meus emails, nos meus PDFs salvados (alguns raros), nos meus livros virtuais, nas minhas imagens de projeto de Arquitetura e Interiores, tão trabalhadas, depuradas e melhoradas para irem, lindas e maravilhosas, para dentro de um belo portfolio. Me veio a vontade de chorar, mas me contive. Precisava agir rapidamente e chorar não ia me ajudar em nada. Fui lá fora, procurei um segurança, expliquei toda a história, e pedi a ele: 'por favor, você pode ligar no meu celular pois ele está perdido (poderia inclusive estar sobre uma pilha de livros lá na livraria... esquecido) e a moça da livraria está esperando para ver se toca, eles vão procurar sobre os stands...'. Eu arfava, sem folego. O segurança, com um olhar neandertal, me respondeu: 'não posso fazer ligação de celular'. Da vontade de chorar, em segundos mudei para o modo ataque-esse-energúmeno-com-as-duas-mãos-no-pescoço-dele-e-aperte-com-todas-as-suas-forças'. Mas se eu fizesse isso eu perderia minutos preciosos e o meu querido-precioso-tesouro-cheio-de-dados-64gb-celular-novinho-em-folha estaria indo embora em mãos alheias, sabe-se lá se pertencentes a uma boa alma ou a uma alma larápia. Então, virei as costas e corri para o estacionamento, alcancei a porta de vidro automática e quase colidi com um casal que estava entrando (esses tinham cara de alma boa, senti isso quando olhei os dois nos olhos), e tive a brilhante ideia de pedir 'por favor, você me emprestaria seu celular para eu poder ligar para o meu celular que está (coitadinho) perdido (e aflito) em cima (Deus queira) de uma pilha de livros na Saraiva (esperando como criança perdida, a mãe ir buscar). Ele olhou para mim bem calmo, sacou do celular dizendo, 'sim, claro!' enquanto a outra boa alma feminina (que olhos...) me disse em voz suave e terna 'fique calma'. Um único toque e uma outra voz feminina responde... 'pois não?' O moço me passa o cel dele e eu começo a ladainha: 'Moça... (rezando para que ela fosse uma alma boa, mas eu não lhe podia ver os olhos, eu só ouvia aquela voz feminina (para reconhecer se a alma é boa ou não pela voz, demora muito mais tempo e requer muita prática. Eu sou melhor em decifrar pelos olhos) ... 'eu perdi meu celular, você está com ele (claro!), como você se chama e onde você está, me diga por favor... e muito obrigada por atender meu celular!' E a voz suave continuava, parecia que ia rir, mas não riu, sorriu (acho eu que sorriu, pelo barulhinho que fez) e respondeu 'sim, achei' (nessa hora tive certeza, não pelo verbo mas pelo som da sua voz, que ela era uma alma boa) e ela continuou... 'atendi porque a primeira coisa que alguém faz quando perde o celular é ligar de outro celular para o seu celular perdido! (Olha que fofa) e em seguida, me disse rapidamente onde estava. Subi, corri, arfei, transpirei, fui desviando das pessoas e dizendo a mim mesma 'calma, vai desacelerando porque está tudo bem, a moça de voz suave é alma boa que achou seu celular e esta esperando por você em frente aquela loja de sapatos ... no piso...' Oh, céus. Cheguei no piso, virei a primeira esquina e vi mais a frente um banco onde algumas pessoas estavam sentadas olhando seus celulares e cuidando das suas vidas e nem aí com quem passava, porém havia uma moça que olhava ao redor, como quem procurasse alguém. Pensei, 'é ela a alma boa, porque aquela voz combinava com aqueles olhos bonitos e ternos, olhos pretos, levemente amendoados, que estavam quase tão aflitos quanto os meus a procurá-la, mas ela parecia ter mais esperança do que eu. 'Cristiana?', perguntei. Já bem perto dela, ela me sorriu assentindo e se levantou, estendeu a mão branca e fina para mim, nela meu precioso (filho?) celular, intacto, como protegido pelas mãos daquela... fada? (não, não era fada, as fadas são baixinhas) ou anjo? (não, não era um anjo, os anjos são muito altos), daquela alma boa. Peguei o filho (ops!) quer dizer, o celular, balbuciei um agradecimento, dei a volta no banco para dar-lhe um handshake mas ao pegar naquela mão tão branca e tão bondosa... (também sei perceber pelo toque e pelo gesto se uma alma é boa ou se é alma vil e larápia) senti uma paz tão grande e uma ternura e um enlevo que lhe pedi 'posso te dar um beijo?' ao que ela respondeu: 'sim, claro!'. Assim, ela me abraçou, e eu a ela, eu queria chorar no seu ombro, eu queria convidá-la para ser minha amiga do peito, eu queria dizer que ela tinha uma alma boa, olhos que eram duas estrelas no firmamento e um coração de ouro mas eu não disse nada, só disse 'obrigada, mesmo, muito obrigada'. Que linda, só podia ter esse nome mesmo, 'Cristiana', que vem de 'Cristo', que mais eu poderia querer? Orei naquele instante, enquanto a escada rolante me levava para baixo... 'Senhor Jesus, o Cristo, bem sei que o Senhor sempre foi fantástico, mas hoje o Senhor se superou, em tempo e em performance... e estando os Seus anjos ocupados, o Senhor achou uma alma boa para fazer a função de um anjo relâmpago e me abençoar. Puxa vida, muito obrigada, eu não tenho como agradecer. Isso foi incrível. O Senhor merece, como sempre, os parabéns.'
Saindo do shopping, coração descompassado, boca seca, descabelada, provavelmente com a maquiagem borrada, tipo 'elegância zero', me veio à mente aquela nossa conversa de ontem sobre as terças tenebrosas e pensei, 'se há terças tenebrosas, quartas tenebrosas também existem, e pelo jeito esta quarta ficou pra mim, porque o pobre do meu professor já pegou as terças...'. Mas logo depois me lembrei do verso oitavo e último daquele Salmo 4, falei para mim mesma aquelas palavras e, como por mágica, meu coração se acalmou e eu fui voltando ao normal (normal?) e não fiquei mais pensando que a-próxima-quarta-também-poderia-muito-bem-ser-tenebrosa-porque-a-terça-tenebrosa-do-professor-se-repetiu-na-semana-seguinte-então-se-ele-teve-coitaaaado-duas-terças-tenebrosas-e-eu-certamente-terei-duas-quartas-tenebrosas-também. Conclusão: qualquer dia pode ser maravilhoso, como qualquer dia pode ser tenebroso, o que importa é reconhecer a alma boa no seu dia ruim, e ser a alma boa no dia ruim de alguém, e louvar Aquele que as envia para nos abençoar, estando os Seus anjos ocupados neste mundo-meio-maravilhoso-e-meio-tenebroso. Escrevi emendando tudo para você saber como eu perdi o fôlego neste episódio.
Sem mais, despeço-me e afirmo presença na próxima aula, na terça-feira, mesmo horário, mesma sala, mesma universidade.
Grata,
Rosamaria
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P.S.: E agora me dei conta que não acho o livro comprado!