terça-feira, 19 de junho de 2012

Renovo

Meses e meses se passaram e a filha voltou. Voltou silenciosa, atenta. Voltou solitária e independente. De vez em quando, sorri. Na volta do aeroporto, a moça descansa a cabeça no ombro da irmã mais velha. A mãe observa os detalhes do seu rosto, do seu cabelo que cresceu, das suas roupas desconhecidas. A filha mais velha vela pela mais nova com um amor quase maternal. O filho dirigia com cuidado, como quem se preocupa com a carga que carrega. Malas, malas, malas velhas e novas, pacotes, lembranças e um vaso de flores que a tia deu. A irmã mais velha trabalhou tanto! Fez tudo o que a mãe não podia fazer. Se esforçou muito, com seu jeito quieto e operário, herdado do pai. As mulheres às vezes são muito bobas, querem fazer tudo perfeito. E ficam mais bobas ainda quando viram mães. Se preocupam com tudo, principalmente com que vai acontecer. A mãe tinha lido algo sobre ansiedade numa revista, onde um especialista afirmava que oitenta por cento das coisas que as pessoas temem não acontecem. Mesmo assim, ela continuava se preocupando. E agora, muito mais. Na volta para casa, no silêncio dentro do carro, uma pergunta martelava na cabeça. E agora, como será? Não adiantava pensar nisso, ninguém tinha resposta para isso, mas a mãe pensava. Pensava em como eles seriam uma família dali pra frente mesmo com a falta do pai. À noite, os amigos vieram. A casa se encheu de gente, de amigos de todas as idades. Cada um trouxe uma flor para a moça, que gosta de flores coloridas. As amigas da mãe ajudaram nos sanduíches, nos brigadeiros e na penosa tarefa de retirar as coisas feias do meio do caminho. No outro dia, na tentativa de não ser pegajosa, a mãe foi fazer outras coisas. Foi fazer um almoço caprichado, lavou roupa. Arrumou uma papelada enquanto o cheiro de tinta fresca invadia a casa. Fazia tempo que ela tinha descoberto que aquele cheiro de tinta era como um combustível, dava um entusiasmo instantâneo. Ela gostava do quarto com a velha cor azul mas era preciso renovar as coisas. Era preciso abrir espaço para o novo que chega. E o novo precisava de alegria, para não fenecer antes de crescer. Os últimos meses tinham sido tão difíceis. A saudade do pai era muito densa. Pairava no ar feito uma neblina, envolvia tudo, tornava tudo confuso e indefinido. Agora que a moça chegava, estava mais do que na hora de deixar um pouco de ar fresco entrar, por as coisas bonitas à mostra. A volta da moça era um novo capítulo a ser escrito. Ela espalhava seu perfume doce no ar. E era tão bom tê-la de volta! Estava frio, úmido. O céu nublado e ameaçando chover. O pintor avisa que a tinta pode demorar a secar, por causa do tempo úmido. Mas a mãe não liga que vai demorar. O importante é ficar bonito. O filho, precupado com os gastos, reprovou a arrumação do quarto. Por quê isso agora, mãe? A mãe responde: Porque sim. Ela pensava em pintar tudo, jogar todas as feiuras fora, deixar tudo bonito, um pouco a cada dia. Até que chegasse o dia em que todos da família rissem outra vez. Assim ela falava para Deus logo cedo, uma oração quase infantil, pedindo alegria. E no meio do pior inverno ela percebeu que havia um verão incrível dentro dela.