quinta-feira, 17 de abril de 2008
Outono de Dor
A brisa do verão se transformou em rajada de vento. Vento que chega com seu frio sugerindo, quem sabe, que se pare de gastar o tempo à toa, expondo tudo ao sol abrasador, como quem nada tem a fazer, a não ser se alegrar na vida.
O jornal chega meio molhado e um pouco sujo, no piso de mármore negro da minha porta. Nunca mais vi o jornaleiro. Aquele jornaleiro que eu conhecia nos meus tempos de infância, que andava de bicicleta atirando os jornais com uma pontaria genial, ar maroto e um sorriso trigueiro de quem está brincando de trabalhar, esse eu nunca mais vi.
Esse jornal vem sem bicicleta e sem sorriso. Não posso ver a cara do entregador, sei lá se ele é baixo ou gordo, se sabe quem eu sou, ou se sou para ele somente um endereço e um número. Fico a pensar a que hora misteriosa ele passa porque nunca o vejo. Se ele me visse, talvez me diria "bom dia", mostrando que se importa.
Mas o jornal chega do mesmo jeito, e eu tenho que lê-lo do mesmo jeito, embora eu preferisse o menino da bicicleta. Abro a porta e o vento subitamente entra e me circunda, num rodopio fino e rápido, meu pijama velho de flanela aparece por baixo do robe esvoaçando. O café esfria na xícara. Fecho a porta com certo esforço, resignada com a temperatura e com o clima indignos de confiança, como quase tudo nessa vida moderna, neste mundo moderno e estragado.
Pra quê ler o jornal se só tem notícia ruim? Um começo de náusea e dor me assalta quando leio sobre a pequena jogada pela janela. Mãozinha quebrada, corpo infantil dilacerado pelo chão duro no jardim do respeitável edifício residencial. Que tipo de gente é essa que joga uma criança inocente e indefesa pela janela, como se joga um papel amassado, uma embalagem usada, uma coisa qualquer que não tem mais valor?
Lamento profundamente viver neste mundo onde vive gente assim. Se pudesse, me mudaria para outro mundo. Convidaria meus amáveis vizinhos a irem comigo para o novo endereço. Levaria também meus amigos que moram perto e os que moram longe. Iria morar num lugar onde as pessoas valem mais que as coisas. Levaria todas as crianças comigo. Daria a elas o meu colo, meus beijos, meu sorriso, meu cuidado e tudo o que sei de amor. Leria estórias e falaria sobre o céu. Pintaria desenhos coloridos, faria casinhas de papel, guardaria seus bilhetes em caixas floridas e os leria de novo e de novo e de novo. Dormiria com elas abraçada e mal acomodada, para que elas jamais tivessem medo do escuro da noite.
Escreveria uma história feliz para cada uma delas, seu eu pudesse.
A minha vizinhança ainda é daquela que sabe o que acontece com o vizinho do lado. Eu sou a mais desavisada e atrasada de todos eles, mas recebo as notícias pelo vizinho da esquina, homem franzino e educado. Ele é esforçado e trabalhador, acorda cedo. Beija a mulher ao sair para o trabalho. É um bom pai. É um bom amigo.
Vez em quando ele vem e me avisa das coisas que estão acontecendo. Sua visita cordial quebra a solidão das minhas tardes.
Choro e fecho o jornal, desejando nunca ter lido o que li. Choro e penso em todas as crianças indefesas do mundo, à mercê de monstros disfarçados de pai. Choro porque será tarde demais para fazer alguma coisa, neste mundo onde não se sabe o que acontece no apartamento do lado, porque as pessoas são muito ocupadas para se importar com o seu próximo. Choro porque a pequena menina não recebeu o amor que ela merecia, sendo criança e tendo nascido para receber amor. Algum amor. Choro porque ela nunca mais verá a luz do sol, nem sentirá seu calor, nem sorrirá de alegria, nem pulará na cama, nem dará aquelas risadas maravilhosas que só as crianças sabem dar. Seu nome cairá no esquecimento. Daqui um tempo ninguém se lembrará dela. Porque outras notícias ruins virão e ocuparão espaço nos jornais e na televisão.
Choro porque aquela pequena flor, desprezada cruelmente, foi arrancada e esmagada, sem que pudesse desabrochar.
O telefone toca e me obriga a enxugar as lágrimas do rosto e a tocar a vida. "Já estou indo, já vou. Já chego aí" - digo, mecanicamente, sem ânimo de sair de dentro do pijama velho que me aquece.
Não há frio maior do que o frio da tristeza de uma alma sem amor.
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eu já visitei tá....rs
ResponderExcluirgrande abraço
continua firme nos caminhos do Senhor!
saudades
canta e exalte ao Senhor!
È mt lindo,bjsss!!!!Fk c/ DEUS.uma boa quinta-feira.
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=l18Fyh503n0
ResponderExcluirhttp://www.youtube.com/watch?v=6lhxeNEXSV4
http://www.youtube.com/watch?v=_vX87A0SZEU