Certas coisas me deixam completamente perplexa. Cada vez fica mais difícil nos comunicamos com as pessoas. As pessoas não falam, e se falam, falam de forma confusa e inconclusiva. Quem está pra escutar, não escuta. Se escuta, não presta atenção. Se presta alguma atenção, não se interessa. Se escreve, não lê o que escreve. Quem lê, não presta atenção no que lê e não entende nada. E não responde. Onde vamos chegar?
Por isso, nos achamos melhor com as máquinas.
Há um certo escritor famoso, já idoso, de aparência acadêmica e respeitável, de cabelos brancos, que sempre repete o mesmo nome da heroína, seja em que estória for. As pessoas sentam-se em frente à TV nas suas poucas horas de descanso, no sofá da sala, ãs vezes até apinhados, bem perto, e poderiam por a conversa em dia, saber um do outro, se inteirar do que acontece com aquele vizinho-próximo-sangue-do-mesmo-sangue.
Mas agora, conversar? Na hora da novela? Como se aquela hora fosse sagrada. Estão já, pelos anos desse vício horroroso e inútil, doutrinadas a acompanhar a sequencia de acontecimentos de estórias descabidas, sem nexo, lotadas de exageros e aberrações, recheadas de falsos conceitos
de felicidade e sucesso, que certamente não se conseguem com as f'órmulas apregoadas todos os dias, capítulo a capítulo.
Nenhum conteúdo real, nenhuma situação plausível. O que acontece lá na telinha, não acontece na vida real.
Tá bom, mas as pessoas precisam sonhar, se esquecer de seus problemas, de suas mazelas, "relaxar" - odeio esta expressão, porque parece que relaxar significa parar de pensar - ainda que seja por algumas horas. Mas ver novela, pior ainda as brasileiras, não é sonhar, é se lançar num desfiladeiro de besteiras, crendices, ilusões, que pela constância, empurra-nos goela abaixo esses novos anti-conceitos. Digo anti-conceitos pois são exatamente o oposto de tudo o que aprendemos ser bom e certo para a vida, desde o relacionamento com as pessoas até a vida financeira. Todo mundo é rico, mas ninguém vê ninguém trabalhar.
Criou-se até a expressão popular, diante de algum absurdo: "mas como é novela, vai."
Aceita-se o absurdo. Sem senso, sem lógica, sem crítica, sem um fiapo de vínculo com a realidade, mas falando dela, na verdade, recriando-a e revestindo-a de outra coisa qualquer.
A enxurrada de baboseiras vem, atrativa, mas sem contéudo real, nem moral, e literário muito menos.
Mas a arte imita a vida e a vida imita a arte. E o triste é que, estando a vida pobre de valores, a arte aparece mais pobre ainda, e nesse espelho embaçado e distorcido, a vida vai se mirando, e como uma moça que se acha feia, precisa do espelho para lhe dizer que ela não é tão feia. Ela se aruma e se enfeita, porque não vê a sua própria feiura, nem vê que o seu rosto está sujo e enfeita-se com seus trapos de pobreza, ignorância e imundícia.
É bom lembrar que a palavra novela é um termo que define uma das três composições do
gênero literário chamado Romance.
A novela é, portanto, a classificação de uma narrativa em prosa, intermediária entre o conto, mais curto e o romance, mais longo. A novela cresce e se desenrola descrevendo aventuras, com o desenvolvimento de vários personagens, porém tudo girando em torno de um personagem central.
Essas tramas entrelaçadas vão se complicando e se estendendo, evidenciando as qualidades e defeitos da natureza humana, como o logro, a mentira, a vaidade e a inveja, em contra ponto com o amor, a bondade, a fidelidade e a resignação. Dessas situações dramáticas cria-se o conflito que geralmente progride para uma solução que culmina no final da trama.
Mais curta que o romance, mas não menos importante, grandes escritores usaram desta forma literária para escrever grande obras, conhecidas mundialmente, que se tornaram verdadeiros clássicos.
Entre elas, podemos lembrar de Cândido, ou o Otimismo, de Voltaire; O Alienista, de Machado de Assis e a maravilhosa estória de O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway.
Mas a mídia transformou o termo novela numa coisa comum e vazia, porque se apropriou despudorada e indevidamente desse termo para nos impingir toda sorte de baboseiras inventadas e ligadas sem lógica, com personagens que se identificam apenas pelo seu vestuário, adornos e trejeitos. Não se vê neles alma, nem personalidade, e nenhuma postura definida que revele o seu valor, de que lado eles estão, se do bem ou se do mal, mesmo porque pulam de um lado para o outro, conforme a conveniência. E lá vem eles com seus nomes repetidos. E daqui a pouco, daqui a nove meses, as pobrezinhas das crianças que nascerem vão ganhar dos seus pais os nomes daqueles personagens. Um nome achado assim, na baciada da feira, como fruta prestes a apodrecer, pior que um mercado de pulgas. Ah, mas porque a moça artista era bem bonita - que corpo escultural, deve passar a manhã na praia, a tarde na academia, e a noite, Deus sabe onde... - com aquelas mechas laranjas no cabelo e com a saia estampada que de tão curta, parecia um cinto.
E o moço, aquele mecânico sempre sujo, que físico! Burro como uma porta, falava tudo errado, mas lindo de morrer...
E vai o menininho crescer com aquele nome do personagem do mecânico burro. E a menininha como uma caricatura de fêmea.
Restará a essas crianças o esforço de remar contra a maré das coisas ridículas que os seus próprios nomes fazem lembrar. Que peso...
E aquele mesmo autor, famoso por produzir novelas e mais novelas “de sucesso”, já vem de novo dando uma entrevista na televisão, pra falar do seu próximo trabalho, que com certeza será outro estrondoso sucesso, dentro daquela emissora também de sucesso, considerada a melhor do país.
O renomado autor vem falando da nova Helena. O que será que ele pensa que tem de novo e interessante nessa maçante repetição?
Entra estória, sai estória, a heroína é de novo a Helena, com outros trajes, mas não raro, interpretada pela mesma atriz.
O que é isso? Me ponho a fazer conjecturas... Seria uma obsessão pela famosa Helena de Tróia? Será que o grande amor da vida, quem sabe um amor não correspondido, chamava-se Helena? Será que a sua mãe se chamava Helena e em sua homenagem, talvez no seu leito de morte, ele prometeu-lhe esta honra, aprisionando-se a essa condição irrevogável?
Mas volto a dizer, o que realmente é isso? Um pouco caso com a estruturação da arte da narrativa, com a composição de um personagem; uma desconsideração total com os cânones da
Teoria Literária, e com a Literatura (do latim littera, ou letras) que quer dizer "a arte de escrever". Escrever de forma artística. Ligada à gramática, a poética e a retória, a Literatura tem seus princípios, suas metas e sua ética.
E cá dê o compromisso do autor com a Literatura? Ah, o compromisso dele é com a emissora de sucesso que o faz ficar rico escrevendo baboseiras e a ela devemos o entortar diário da cabecinha dos nossos jovens, que já não é lá muito cheia de boas coisas. E a culpa é nossa que sentamos diante da televisão todos os dias, religiosamente, no mesmo horário.
Como criação artística, uma farsa, visto que não há nem criatividade, nem arte, na estória rala que se parece com o último sucesso e consequentemente repete a fórmula da cópia dos personagens mais atraentes e pares românticos enjoativos.
Como produto a ser oferecido ao povo, um grande desrespeito.
Porque deu certo um personagem central, fez sucesso, agradou os incautos, e os menos esclarecidos, os próximos protagonistas têm que carregar o mesmo nome?
Então isso é uma crendice, uma simpatia? Ora, faça-me o favor...
Mas adentrei nesse tema somente para dizer que as pessoas não conversam mais, e não terão nada mesmo pra conversar, porque não terão nada a dizer, porque suas mentes estão cheias de baboseiras.
A conversa no lar, ou fora dele, que estava já moribunda pela imbecilidade das novelas, agora está em coma devido à enganadora utilidade da internet. Fica cada um isolado no seu PC, no seu lap top, no seu quarto, e ninguém se vê ou se fala dentro de uma mesma casa. Cada vez mais imprescindível, ninguém faz mais nada no seu trabalho ou na escola, sem o computador e a internet.
Eu mesma ia viajar, e ao ligar para reservar o hotel, lembrei-me de perguntar, aflita, "por favor, aí tem internet?" Eu não nego que não ficaria no hotel se lá não tivesse essa praga da internet. Xingo, reclamo, estrebucho, mas preciso dela. Boa parte do meu trabalho executo através de um computador.
Mas olha o tamanho do absurdo. As pessoas não se falam, não se entendem, cada vez mais os relacionamentos de definem pela superficialidade. Vazios, vão ruindo e não subsistem.
As famílias se despedaçando. As crianças desenvolvendo neuroses e distúrbios psiquiátricos nunca antes vistos. Falta de atenção, falta de contato, falta de comunicação, falta da troca de experiências no meio familiar, falta de amor.
Alguém se lembre, por favor, que existe em todos os aparelhos, um botão liga e desliga.
Meu pai é extremamente prático e objetivo, e as conversas para ele devem ter começo, um meio e um fim, um propósito e uma resolução.
Nunca deixamos de conversar em casa, embora gostássemos muito de assistir TV, especialmente filmes.
Nunca conversamos em casa nenhum assunto que ficasse sem uma conclusão. Nenhum assunto que era mencionado deixava de ser discutido e apurado. Se fosse muito complexo, discutia-se durante várias ocasíões. Jamais era posto de lado. Não tinha esse negócio do ''deixa pra lá''.
O assunto, ou o problema era examinado, dissecado, esmiuçado, diagnosticado, e finalmente desvendado. Quando o problema era nosso, ou trazido por nós, filhos, éramos orientados a resolvê-los, dentro dos princípios que já tínhamos como regras de vida, atacando o problema de frente.
Nada de ficar em cima do muro. E se não pudéssemos resolvê-lo, pelo menos deixávamos clara a nossa posição ética a respeito, à vista de todos, sabendo de antemão que receberíamos confrontação e até hostilidade da maioria, geralmente dos colegas da escola, mas com o apoio e a proteção de nossos pais.
Mas era para nós honroso sustentar nossa opinião naquilo em que acreditávamos.
Creio que essa prática foi um dos maiores bens que meu pai nos ensinou - a refletir nas coisas e chegar a uma conclusão sobre elas, examinando-as não segundo a opinião pública do momento, não segunda a moda, nem segunda a mídia, mas segundo os princípios éticos e fundamentais que regiam a nossa vida, assumindo uma postura firme diante do problema.
Essas conversas em família, na hora da refeição, ou na hora de ir dormir, nos treinaram a discernir as coisas de valor das sem valor. As atitudes de valor, que denotavam um reto caráter e alguma nobreza, daquelas mesquinhas, medíocres, egoístas, falsas, maldosas e, portanto,
desprezíveis e não dignas de se gastar tempo com elas, nem com as pessoas que as praticavam.
Essas conversas nos uniram mais e despertaram em nós a mesma força em buscar o bem, a retidão e a verdade.
A esses assuntos medíocres, sem importância e sem valor, geralmente nada edificantes, aqui em casa chamamos de ''assuntinho''. Quando um assuntinho insiste muito em nos atrapalhar, achei um jeito muito eficaz de nos livrarmos dele. Deixei à mão, na sala de estar, alguns bons livros. Percebo que o assuntinho não se manda e então começo a ler um trecho de algum livro.
E é muito engraçado, pois a estultícia do assuntinho não suporta o saber, nem o conhecimento, nem a cultura. Muito menos suporta a sabedoria, e menos ainda a verdade. Então, murcha,
se desintegra e some. E não volta mais.
Se tivermos que gastar o nosso tempo - e com certeza ele está a escorrer pelos nossos dedos - que seja com as pessoas. Que seja usando a ferramenta da fala, coisa tão especial que o Criador em sua sabedoria, deu só aos homens.
Usemos deste bem que é a fala, que se bem desenvolvido vira comunicação, especialmente com
aqueles que dependem de nós para aprender a vida, os nossos filhos, nossos primeiros alunos.
Gastemos nosso tempo com coisas que valham a pena, que signifiquem algo, que perdurem, que permaneçam debaixo deste céu que nos protege.
Que faça alguém perdido se encontrar. Usemos de palavras que tragam verdade que dêem significado e um sentido para a vida. Significado para preencher os corações esburacados e sedentos.
Que falando e comunicando, possamos reconstruir com a verdade um mundo doente e enlouquecido, afundado nas suas de imagens falsas, e conceitos falsos, que nada mais fazem do que gerar menos vida.
Diariamente, os jornais nos trazem aquela avalanche de notícias, sem cessar.
Bem informados, não obstante as informações serem duvidosas, cercados pelos mais fantásticos avanços tecnológicos, dos aparelhos mais incríveis e das máquinas mais inteligentes,
caminhamos com essa vida debilitada, confusa, sem perspectiva e fadada ao fracasso.
E em falência, agonizante, sem remédio e sem tratamento, nos enganamos pensando estar construindo um mundo melhor enquanto estamos vivendo em ruínas, por darmos lugar à indústria da mentira, da falsidade, da futilidade e da maldade.
Ela gera para nós o mal, e ensina-nos a viver sem o bem - que não está nas novelas e nem tampouco na internet - e nos encarcera nos muros da mediocridade.
Ótimo!
ResponderExcluirPermita-se! Vezenquando é preciso sacrificar o presente para termos um futuro mais feliz, e quem sabe mais amplo!?
Muito bom. Boa leitura para quem quer argumentar quando alguém vem sempre defender as novelas...
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