Vamos indo no trem dessa vida louca e esquisita para mais uma nova estação, uma nova chegada, um novo ano.
Essa expectativa do ano começando, das possibilidades que com ele virão, nos enche de um faniquitozinho por dentro, faniquito que tentamos disfarçar fazendo planejamentos.
Com o calendário numa mão e a caneta na outra, como se controlássemos o tempo, compenetrados. Os dias, as semanas e os meses, as estações do ano em nossas mãos. Que medo.
Faz algum tempo que me toquei do ''topete'' humano de querer controlar tudo. Nunca fui muito de fazer planos, aliás, levava bronca de tudo quanto era jeito, porque eu era (era?) assim, desorganizada.
Me encolhia de vergonha diante dos ''planejadores'', eficientes, experientes, competentes e implacáveis.
Olha como a minha vida é certinha e a sua é um horror... é o pensamento por trás daqueles olhos cheios de certeza - sobrolho erguido pela satisfação consigo mesmo - e vazios de compreensão ou compaixão diante dos pobres irresponsáveis bangunceiros, desprovidos de nascença do ''dom'' da organização.
Coitados (nós) atrapalhados, que não planejam nada nunca, e vivem numa bagunça, e vivem em sobressalto, e vivem espontaneamente.
Ao contrário do que parece, os planejadores não tem uma vida calma. Os planejadores não estão - apesar de se esforçarem tanto por demonstrar - por cima da carne seca das mazelas humanas. Eles - pasmem - vivem estressados.
Os planejadores passam os minutos da vida contanto, calculando, medindo e organizando cada fiapo de coisa ou pensamento que lhes cai nas mãos. Há aqueles que, depois de planejarem tudo na própria vida e não terem mais nada pra fazer, se voltam a planejar a vida alheia
Como se isso fosse um supremo ato de misericórida - deixe-me ajudar esses infelizes incapacitados aqui ao meu redor! A seguir, esticam os bracinhos duros e vigorosos mergulhando-os nalguma tarefa robótica, esboçando no rosto sem expressão um leve repuxar de lábios, que é o mais próximo que eles conseguem chegar de um sorriso.
Caricatura de sorriso que nasce, claro, do orgulho próprio. Ah, mas me dá uma vontade de rir... E eu rio - muito - interiormente. Me divirto com a petulância dessas criaturas esquisitas, que se acham o top de linha da raça humana.
Contudo, não podem prever o clima e nem qual será a velocidade dos dias que virão, nem a a quantidade de rugas que surgirão na nossa cara.
Sem eles, o mundo já teria sucumbido (eles acham). Ah, se pudessem, controlariam o Universo, começando da Nasa para a via Láctea, depois indo mais além e mais e mais até chegar no terceiro céu, onde dizem que Deus habita.
E chegando lá, haveriam de fazer perguntas e mais perguntas ao Criador, tomando satisfações do que Ele fez e porque fez, ou como eles gostam de dizer "como o SENHOR deixou isso acontecer?" Imagino a expressão na face de Deus. Huahauahuahuahua...
Mas rio agora, né... porque passei muito tempo tentando correr atrás de fazer todas as coisas perfeitamente, não só por ser perfeccionista - que tontice - mas para cumprir todas as exigências deles e agradar aqueles que querem ter tudo sob controle. E tem sempre um ou dois pelo menos ao redor da gente. Que praga!
É como uma invasão alienígena! Eles parecem gente da mesma raça mas não são - ou melhor, não acham que são. Se julgam superiores e quem não sabe identificá-los nem imagina que está prestes a ser dominado.
Para você que agora já está nervoso pensando em como se defender, aqui vão algumas dicas para identificá-los: eles gostam dos relógios.
Nem sempre usam um no pulso, mas sempre estão de olho em um.
Os mais antigos são fascinados por despertador.
Eles amam os cronômetros!
Eles gostam de calculadoras, planilhas excell e listas.
Eles gostam de por as coisas e as pessoas cada uma no seu lugar.
E gostam muitíssimo de delegar tarefas e mais tarefas e tarefas e espiar se estão sendo feitas. E fazem perguntas óbvias.
Eles não gostam de reconhecer os talentos e capacidades e dons alheios - especialmente a criatividade - porque nenhum dom é superior do dom da organização.
Mas o sacrilégio maior é o o improviso.
São muito exigentes, nada está bom para eles, pois só assim conseguem afirmar a sua superioridade racial.
Alguns operam disfarçados de prestativos.
(Outro ataque de risos!)
Eu quase fui dominada. Não tenho vergonha de dizer.
Antes digo isso com uma coragem heróica que me infla o peito, consciente das lutas que passei, como um soldado aliado sobrevivente na batalha da Normândia.
Sobrevivi aos julgamentos, aos olhares frios, aos questionamentos, carraspanas e interrogatórios. Não me abalo mais. Só informo meu posto e número de série.
Mas a vida é uma coisa muito incrível mesmo... Louca viagem ao desconhecido, onde coisas sem sentido, coisas boas, decepções, alegrias, coisas tontas, catástrofes, dores, golpes, coisas maravilhosas, paixões, traições, coisas sérias, coisas péssimas, coisas ridículas acontecem.
Às vezes, surge do nada um relâmpago de felicidade que dura justo 5 segundos, mas tão intenso e belo, tão puro e reluzente, tão catalizador, que pode ficar no coração por toda uma vida.
Sentimentos, sensações, milhões de emoções incontáveis que permeiam a alma humana.
O amor, por exemplo. Ah, as surpresas da paixão! A garganta seca, o ar que falta, o suor que sobra, a taquicardia e o rubor - que ódio, fui descoberto - a eletricidade daqueles olhares que se cruzam daria iluminar uma cidade.
E se a nossa biologia em segundos se altera, que dirá nossos planinhos!
O amor. Vive-se para aprender do amor. Vive-se pensando nele. Vive-se pensando em amar e ser amado. Alguns vivem para perseguir o amor enquanto outros parecem que são perseguidos por ele. Alguns nunca o encontram.
Livros e livros que falam do amor. Leio, leio, e leio mas ainda acho que não sei tudo. Tem sempre algo que me escapa, algo a mais, algo além. É tesouro que não se guarda em caixa. Quanto mais se recebe, mais se dá. Não se contabiliza, para desespero dos planejadores, calculadores e pesadores de balança.
Fazendo contas, pesam os sentimentos e afetos, pra ver se eles tem o mesmo peso e o mesmo valor, como se fossem produtos de supermercado.
Quanto mais se divide, mais se multiplica, o amor. Quanto mais o agarramos com as nossas mãos, mais ele se encolhe e, triste, diminui. Quando o deixamos livre, abrindo as nossas mãos para o ar como se libertássemos um pássaro, mais alto ele voa. E mais alegre ele retorna pra nós.
E assim feliz, como um passarinho, a amor voa no céu do nosso coração, a fazer desenhos e piruetas, enchendo a nossa vida de uma alegria que só criança tem.
''Abra a mão e feche os olhos!'' - me lembro daquela brincadeira de criança - que um surpreendia o outro, colocando-lhe nas mãos uma coisa bonita, uma bala, uma pedrinha, uma flor, uma joaninha... De mansinho, o recebedor do presente abria os olhos pra ver aquela coisa - coisa boa, com certeza!
Sabe aquela fé de criança? Ninguém duvidava que a coisa era boa mesmo. Ela que estava alí e era tão boa, tão linda e tão maravilhosamente sua.
Eu gosto muito de criança, me sinto ainda criança por dentro e estou sempre de olho nas crianças, porque elas me fascinam. E me ensinam muita coisa. Me ensinam a lembrar do que já vivi, do que já esqueci. E me inspiram a continuar amando, aprendendo e recomeçando.
Por falar em recomeço, lá vem o ano novo, estamos já em janeiro de 2010!
Imagem mental: cara de bobo, boca aberta, olho arregalado. Tem tanta coisa do ano velho que eu ainda nem resolvi! O ano velho ainda está aqui no meio, atravancando a minha sala, atrapalhando o meu caminho, com seus saldos e exigências, montanhas de papel e presentes do natal para trocar. Ninguém merece.
Mas eu quero viver o novo... O que fazer?
Acho uma qualidade espetacular o saber virar a página. Deixar para trás o que para trás ficou. Ir andando em frente, o ventinho fresco das possibilidades batendo nas bochechas, revigorante.
Há que se ter muita coragem para ir em frente assim, de mãos abertas e olhos fechados, e esperar que a Vida traga uma surpresinha, e confiar que a coisa será boa, muito boa.
Cabe aqui uma explicação. Não sou contra a razão. Seria estúpida se a negasse. Também olho para o relógio, apesar de não ter uma relação bem resolvida com ele. Também faço conta e uso régua.
Mas se estou aqui escrevendo e pensando, e lembrando e revivendo, sonhando e desejando, é porque a razão que há em mim está positiva e operante, graças a Deus.
Sou é contra a racionalização da vida, sou contra os planejamentos estranguladores, sou contra o papel valer mais que a coisa viva. Odeio a ditadura que eles me impões, porém convivo com alguns, aguento alguns, suportp alguns e até amo alguns planejadores.
Sou mais a Razão junto, ou um pouco atrás da Sensibilidade, lembrando Jane Austen.
Não muito atrás, mas gentilmente, cordialmente, educadamente atrás dela, como um galante e inteligente cavalheiro que cede o lugar para a linda dama porque sabe intimamente que vai deliciar-se ao vê-la passar, com sua beleza estonteante.
Embora seja bem viciada na tecnologia - tiro tudo o que posso dela - não sou feita dela. Não sou um robô, não sou máquina, ela não manda em mim.
Não sou de plástico nem de papel, por isso não quero ser uma folhinha de planejamento, cheia de anotações que serão fatalmente rabiscadas e corrigidas pela Vida.
Quero ser livre. Quero pensar e sonhar acordada. Quero - meu Deus, é agora que me matam - perder a hora por estar sonhando acordada.
Quero sentir o coração descompassado a correr atrás de uma coisa nova, como moleque que corre atrás de borboleta.
Se não for assim, o que serei? Serei um calendário!
E terão que me jogar fora quando o ano acabar.
Mas eu sou mais do que um ano, mais que uma folhinha.
Mas essa é a minha escolha. Talvez você seja um planejador.
Boa sorte, pra você, seja feliz sendo o que você é.
Viva a sua escolha, porém medite bem nela - citando a bela metáfora de Henri Nouwen - como quem olha para o cálice que tem nas mãos, e pensa bem antes de bebê-lo. Afinal, cada um tem o seu cálice de vida. Intransferível.
Eu desejo o ar novo que vem vindo, trazendo perfume de flor que acabou de desabrochar e talvez trazendo a chuva.
Desejo andar descalça e sem armaduras para viver a minha vida.
Desejo que a vida, a minha amiga Vida, que corre muito mais rápido do que eu e brinca comigo de pega-pega, me pegue de sopetão, me segure pelos ombros e rindo, grite nos meus ouvidos: ''abra a mão e feche os olhos!''
Feliz ano novo pra vocês, amigos de qualquer natureza. Com surpresinhas. Com céu azul, com nuvens bem branquinhas. Com cheirinho de flor, com sombra de árvore, com fruta colhida no pé. Com passarinhos, borboletas e joaninhas.
Com barulhinho de água de riacho, com limonada gelada no calor. Com bolinho de chuva feito pela avó, pela mãe, pela sogra, pela tia, pela irmã, ou pela amiga.
Com banho de mar e tempestade de verão. Com mãos dadas em silêncio de paz.
Com um novo desafio, um novo projeto, um novo desenho, de grafite ou nanquim - essa é velha - bem pintado de lápis de cor, no papel manteiga, com um pequeno borrãozinho de café. (A minha tribo arquitorturada saberá do que falo!)
Com passeio de bicicleta no fim da tarde. Com disparos deliciosos no coração e arrepios na espinha. Quem sabe, um beijo roubado. Com mantinha e abraço quentinho no frio.
Com pores e nasceres do sol. Com lágrimas de alegria. Com riso de criança. Com paixão, com sabor, com a loucura das coisas que não entendemos, que não controlamos e que não mudaremos.
Porque seria terrivelmente enfadonho um caminho tão retilíneo, tão previsível, tão planejado, tão acabado. Eu não sei vocês, mas eu quero continuar brincando.
Feliz 2010
"E gostam muitíssimo de delegar tarefas e mais tarefas e tarefas e espiar se estão sendo feitas. E fazem perguntas óbvias (...)São muito exigentes, nada está bom para eles..."
ResponderExcluirHahaahaha... Nesse trechinho... parece até alguém que eu conheço!!!
Muito bom o texto Iaiá!
Te amo!!!
Bjos Bruna
Queria Rosinha,
ResponderExcluirSeu texto me fez lembrar O Pequeno Príncipe, quando vc diz dos contadores. Em suas viagens pelo mundo, o príncipe encontra um planeta habitado por um desses "contadores". O tal homem diz ser dono das estrelas e as conta, conta sem parar. Sabiamente, o pequeno, pensa "como são estranhos essas pessoas grandes, passam seu tempo contando e se esquecem de aproveitar seus bens!"
Além disso, espero que ao abrir os olhos no final de 2010 encontre um ano cheio de felicidade e realizações.
E espero q quando vc abrir os olhos, encontre mto mais coisas boas!!
Olá... :) devo dizer que gostei muito da maneira como escreve. Vou começar a visitar... ;)
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