sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Convivência

Tem dias que não dá vontade de sair da cama. Depois que a gente, enfim, levanta, com o corpo pesando uma tonelada e o ânimo lá no subsolo, vai se espremendo por dentro para achar em algum lugar alguma forcinha para ir fazer as coisas. As coisas, sempre as coisas. As tarefas, as contas, os assuntinhos. Levar aquele sapato no sapateiro. Ir ao banco. Que preguiça de enfrentar o trânsito! Não há lugar para estacionar. Vamos lá pagar uma exorbitância por meia hora no estacionamento. A última vez que fiz isso paguei $2,00 por meia hora. Assalto à mão armada. Fiquei quinze minutos e paguei a mesma coisa. Mas, na hora que mais se precisa, o estacionamento está lotado. Vamos para aquelas 400 voltas no quarteirão para achar uma vaga. Depois os lojistas daqui da cidade reclamam que não se prestigia o comércio local. Fácil falar, né? Que tal criar facilidades para o consumidor? Oferecer o estacionamento graciosamente, por exemplo? Desse jeito é mais fácil ir até o shopping da cidade vizinha, acha-se de tudo, paga-se com cartão, em vezes. Lá pode-se comer de tudo até desde fast food até comida japonesa. E tem estacionamento. Não vai dar tempo... Acho que é a frase que eu mais falo para mim mesma durante o dia! Ainda tenho que levar aquela saia preta fazer a barra na costureira. Como a costureira também está muito atarefada - Deus sabe se ela também se sente pesando uma tonelada quando acorda pela manhã! - e eu sei que vou chegar lá, vou pedir o serviço, ela vai fazer aquele muxoxo de cansaço e vai me dizer assim "você tem muita pressa?" Eu, pressa? Nem sei o que responder. Andei pensando sobre essas coisas. A gente só procura o outro porque não tem o que ele tem. Falta-nos habilidade. Ou tempo. Ou paciência. Ou coragem. Então, eu procuro a costureira porque eu não sei fazer o que ela sabe. Eu não tenho máquina de costura, ela tem. Hoje me perguntaram porque que os arquitetos e os engenheiros trabalham juntos. Respondi prontamente: "porque os arquitetos tem preguiça ou não sabem calcular e os engenheiros não sabem ou tem preguiça de desenhar!" Ora, é só por isso mesmo! União de incapacidades! Me diga se os outros relacionamentos humanos não são assim? Já viu um casal igualzinho? Raríssimo. Sempre que um é arrumado, o outro é desengonçado. Um é pontual, o outro é atrasado. Um é racional, o outro viaja na maionese. Um é gastão e o outro pão-duro. Bem pode ser que o pão-duro só tenha se transformado em pão-duro porque o outro é gastão. Ou ainda, o gastão acomodou-se em ser assim gastão porque, no fundo, pensa que o pão-duro tem muito dinheiro guardado escondido. Infelizmente, o mesmo vale não só para humor mas, às vezes, para o caráter. Conheço um casal que me faz pensar porque estão juntos. Ele é um homem amável, corpulento, corado. Sempre alegre e gentil. Me parece sincero, espontâneo. Ela é magra e monótona. Arrumadinha, se acha elegante na sua secura. Sempre a mesma expressão no rosto pálido, sempre o mesmo sorriso amarelo. Cordialidade forçada, a dissimulação em pessoa. Como é que pode? Será que eles se enxergam como são e assim mesmo, se gostam? Ou estão enganados? Se for assim, resta saber quanto tempo vai demorar para descobrirem a verdade. O que acontecerá depois, caso eles percebam a verdade? Será que permanecerão juntos? E quando tiverem um filho, o que será? Nascerá um híbrido, como no seriado "V", meio humano, meio réptil-alienígena. Eu, deles, passo reto. Cumprimento - fazer o quê - com pena do rapaz. Estranha convivência. Essa junção no desequilíbrio é o jeito que Deus encontrou de fazer a gente entender que não sabe tudo e não pode tudo. É ser pela metade mas na ânsia de ser inteiro. Daí, passamos a vida procurando o que falta. Mas nem em sonhos escapo de sentir a falta de algo! Quando acordo, estou fragmentada. Pra piorar, vem um passarinho pousar na minha janela. Contra o azul do céu, a pequena figura xereta me fita, com olhar de piedade. Mas ele vai embora tão rápido como veio, livre. Olhando a janela e o céu azul, me dá uma bruta inveja do passarinho. Preciso de asas, coisa que nunca terei. Resta-me o silêncio, a solidão e, com um pouco de sorte, a escrita.

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