sábado, 20 de outubro de 2012

Solidão

O consultório do dentista é no centro, o que já dificulta muito a gente querer ir lá. Os consultórios, em geral, deveriam ficar em um lugar aprazível, calmo, pra gente poder sair do médico ou do dentista e realmente relaxar. Ô, coisa difícil, ser examinado. Naquela hora você não manda nada, não pode falar nada - nessa hora é pior o dentista, que mete um troço na boca da gente e você fica realmente preso e mudo. Bom, fazia tempo que eu não ia ao consultório, e por estar realmente precisando - uma obturação quebrou - tive que vencer o medo, o tédio e ir. O dentista é muito cordial e agradável. Respeita o meu medo, sabe o tamanho dele. Sabe que tem anestesia que não pega em mim. Sabe que tem remédios que eu tomo e é como chupar uma bala. O dentista calmamente me conduz à cadeira e eu vou indo, lentamente, me sento, me largo, me deito. Ah, que bom poder deitar naquela cadeira e deixar alguém cuidar de alguma coisa em mim. Houve tempos em que ir ao dentista era coisa de filme de terror. Quando eu era pequena, meu pai me levava em um dentista perto da casa da minha avó. Ele era uma homem magro e alto. Íamos a pé, como sempre fazíamos tudo. Meu pai me levava pela mão, cuidadoso, sério. Não falava nada. O velho dentista não tinha jeito com crianças ou ele percebeu que eu não tinha jeito com dentistas. Não sei de fato qual era o problema. Sei que ele não me via, não me enxergava, não perguntava o que eu queria, o que eu sentia e só me mandava aguentar a dor. Naquela época, tinha uma pulseirinha de couro nos braços da cadeira, de forma que ele podia prender os braços do paciente - olha o filme de terror - e assim a gente não podia mexer os braços e atrapalhar o trabalho de carrasco dele. Lembro um dia que eu surtei, achei que ia enlouquecer, porque ele além de prender meus braços, colocou um ferrinho na minha boca e eu não podia fechar a boca! Minha mãe, graças a Deus, teve o bom senso de não me deixar, não sair da sala e, preocupada, perguntava como eu ia fazer se doesse. Oh céus, como eu ia fazer? Ia fazer o que eu fiz, gritei, gritei, chorei, esperneei. Saí de lá exausta, suada, zonza, dolorida e com um ódio mortal daquele terrorista com diploma na parede. Como alguém podia pagar para ser tratado assim? E onde já se viu tratar uma criança desse jeito? Burro, só pode ser uma pessoa burra. Burra com diploma. Tem muitos por aí. Graças a Deus, minha mãe tinha bom senso e nunca mais me levou lá. Daí achei melhor, quando cresci, ir o mínimo possível aos consultórios, fossem do que fossem. Aliás, eu nunca ficava doente. Mas quando ficava, achava que ia morrer, de tão ruim que eu ficava. Teve uma vez que fiquei tão ruim que o médico foi em casa. Com febre, delirando, acordei com a mão dele na minha testa. Abri os olhos e vi aquele sorriso tão bonito, o olhar firme e preciso através dos óculos de hastes finas, prateadas. Como se me enxergasse por dentro, ele me disse: "Calma, Rosinha, você vai ficar boa!" E sorriu, e fez recomendações à minha mãe. E me deu um remédio. E logo foi embora, pois era ocupado. Meu dentista me explica e eu tento acompanhar o raciocínio científico dele, que meus caninos estão ... (vou contar do meu jeito) estão precisando encontrar com os dentes da mandíbula inferior, pois eles são sensíveis à minha identidade (hã?) e eu preciso encontrar comigo mesma - a conclusão é minha - um dente com o outro, daí o meu cérebro saberá que os meus dentes estão se fechando perfeitamente. Mas eles não se encontram, não se fecham perfeitamente, existe um vão, um vazio - oh, que coisa - e meus caninos estão solitários e não podem mais continuar assim. Ele me explica o esquema da solução da minha boca. Eu só conseguia pensar nos caninos solitários. Até os meus caninos estão solitários. Apareceu um gato na minha casa, ele insiste em ficar no hall de entrada e passear no meu jardim. Meus filhos já viram e não gostaram nada. Gato folgado. Meus cães viram e ficaram loucos pois o jardim é ao lado do canil. E eu não sei o q fazer. Tenho vontade de pô-lo para dentro. Mas não posso. Quem sabe um dia, quando os filhos forem e eu ficar. Eu nunca sei quando o gato vem nem quando ele vai. Só sei que eu amo vê-lo passar pelo jardim, espiando pelo vidro do hall, olhando em volta, quem sabe, procurando por mim.

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