Meus pais trabalhavam muito. Trabalhavam o dia inteiro. Eu e meu irmão ficávamos entregues à casa, nunca submissos à empregada. Ela era nossa declarada inimiga. E nós, seus espiões. Ela que não se atrevesse a levar nada da despensa sem falar com a mamãe. Se fizesse isso, estaria perdida nas nossas mãos.
Havia uma em especial que passei a odiar. Ela se chamava Isaura. Usava dentadura, mas só na parte de cima. A dentadura se deslocava quando ela falava. E quando parava de falar, ela ia mastigando algo imaginário na boca, no esforço de manter a dentadura no lugar. Era uma coisa tenebrosa.
Um dia, meu irmão mais novo (a caçula que me desculpe, mas nessa época só havia ele mesmo) me chamou e contou que a empregada havia segurado ele pelo braço e chacoalhado. Eu respirei fundo - como a mamãe havia me ensinado, sem querer, pois ela fazia isso quando tinha um problema para resolver - e pedi que ele me contasse toda a história, com detalhes. Eu ia fazendo perguntas pelo meio da narrativa. "Ela pegou no braço? Chacoalhou? Como? Faça em mim igual ela fez...' E ele então se empenhou para me mostrar, agarrando meu braço com toda a sua força de 4 anos... Me deu vontade de chorar. Engoli, respirei e perguntei: "Juni, por que ela fez isso? Você foi malcriado?" Ele disse: "não, eu só queria por a sandália sozinho...'
Quando tinha 2 anos, meu irmão teve um problema no osso do quadril e teve que usar um aparelho na perna por um ano. Não podia andar sem ele, ordens do médico. Minha mãe, com toda a paciência, explicou para ele essa proibição, mas ele era tão pequeno... Não sei se entendia tudo o que ela falava. Enfim, ele era muito inteligente e logo aprendeu a se locomover sem o aparelho. Tinha um tapete no nosso quarto, um pequeno, desses que ladeiam a cama. Ele escorregava da cama para o tapete e ia apoiando as mãozinhas no chão, empurrando o corpo para frente. Assim ele andava a casa toda.
Minha mãe o ensinou a fazer tudo sozinho. Ele queria fazer tudo sozinho, e minha mãe falava que era importante para ele aprender a se desenvolver, apesar de estar limitado temporariamente nos seus movimentos. Ele não podia jogar bola ou correr. Ele era muito ativo, então aquelas mãozinhas trabalhavam muito, montava e desmontava os brinquedos, aprendia sozinho como as coisas funcionavam. Então, depois da retirada do aparelho, ele já sabia fazer muita coisa, e queria sempre aprender algo novo, e continuava a fazer tudo o que podia sozinho. Então, porque ele não quis deixar aquela jararaca por a sandália nele, ela lhe intimidou com um cachoalhão. Acalmei meu irmãozinho, seus olhos grandes e negros já estavam serenos e ele olhava para mim com a certeza de que eu iria lhe fazer justiça. Disse a ele 'fique aqui no quarto, eu já venho'. Agora (respirei fundo mais uma vez) O QUE FAZER COM ESSA BRUXA DA DENTADURA? Pensei um pouco enquanto atravessava o corredor do apartamento arrumado com capricho. Não precisei pensar muito. Já nessa época descobri que as idéias me brotavam da testa em profusão. Cheguei na cozinha, a víbora desdentada estava lavando louça. Passei silenciosamente por trás dela, fui até a lavanderia. Peguei uma vassoura. Virei a vassoura ao contrário. Voltei à cozinha, por trás da empregada, mirei na pilha de louça que estava a sua esquerda, e desferi um golpe com toda a minha raiva e força de 9 anos, sobre a louça ainda molhada. Os cacos subiram no alto, fizeram uma pirueta e caíram, se multiplicando em outros menores. Ela, pálida, virou-se para ver quem tinha feito aquilo. E me viu. E não creu que era eu, mas teve que crer. E assim permaneceu, estupefata e muda, enquanto eu lhe pronunciava um veredito: 'Chegue perto do meu irmão de novo e a vassoura vai descer na sua cabeça'.
Claro, a noite a mamãe chegou e ela correu, ainda apavorada, contar a história do jeito dela. Minha mãe (devia ser advogada) nos colocou frente a frente e me fez contar a minha versão. Após saber do motivo, me repreendeu, e mandou a desdentada embora. Ficamos livres por um tempo, até que veio outra, mas essa era boazinha. Ou se fez de boazinha, talvez, por ter descoberto o episódio da vassoura.
Mas nem todos os dias tinha dramalhão. A maioria dos dias era uma calmaria. De vez em quando, nós íamos para a cozinha fazer brevidades, o Junior untava as forminhas e eu fazia a massa. 590 forminhas... e ríamos, era o supra sumo da alegria, fazer e depois comer aquelas brevidades. Guardávamos uma travessa com algumas delas, arrumadas em pilhas para a mamãe. Foi uma época tão gostosa, eu nem imaginava a 'brevidade' da infância. Hoje, quando sinto um cheiro de bolo ou pego o pacote de Maizena, eu me lembro de tudo isso. Às vezes, me dá uma vontade de chorar sobre o cadáver etéreo da minha infância perdida. Irrecuperável. Só que a tristeza passa, porque me lembro que logo vem o dia da semana (a quinta-feira) que meu irmão virá me buscar para irmos juntos ao ensaio do coro. Ele vai tocar irritante e repetidamente a campainha, mesmo sabendo que eu já ouvi. Daí, eu vou, bufando, abrir a porta, fuzilando de raiva. Então, aqueles olhos grandes e negros vão me mirar e ele vai sorrir com todos os dentes. E eu vou me alegrar em ver que ele está na minha vida, sempre dando um jeito de fazer alguma travessura, através aquele menininho pequeno que existe dentro dele e que se recusa a crescer.
Saron 430
UMA PLANÍCIE NA IMENSIDÃO DA ALMA - Memórias, Crônicas e Reflexões
segunda-feira, 10 de setembro de 2018
terça-feira, 17 de julho de 2018
O Maior Perigo de Viver
Eu sei
que descobri o maior perigo de viver.
Perigo e
dor. A solidão me abraçou como uma madrasta.
E chorava comigo suas lágrimas geladas.
Você foi embora, envolto nos braços frios da morte e não retornou.
E chorava comigo suas lágrimas geladas.
Você foi embora, envolto nos braços frios da morte e não retornou.
Foi sem avisar, sem pompa, sem chamar atenção.
Bem simplesmente, como você era mesmo.
Bem simplesmente, como você era mesmo.
Naquele dia, seus olhos se fecharam e em um momento, o sol se apagou
e a escuridão dominou minha alma.À noite, eu sentava na cama, abria a janela e olhava as estrelas.
Eu olhava e esperava que elas me vissem.
Eu esperava
que elas me contassem onde você estava.
Elas
piscaram para mim com compaixão, mas não me diziam nada.
Um dia, parei
de perguntar. As lágrimas pararam de cair.
Aquela
tristeza imensa estava lá dentro, mas seca.
Eu vi que o
medo não me podia mais prender.
O medo de
que você não voltaria, porque agora era real,
Não era uma brincadeira de esconde-esconde.
Você não vai voltar. Mesmo.Nunca.
Algo dentro
de mim se atrevia a me dar instruções:
‘faça algo
com esse espaço extra’,
‘faça algo
com estas horas sem sentido que se arrastam para o nada.’
Mas como
fazer algo novo no meio de uma dor antiga?
Ela é
teimosa e já anunciou que não vai sair.
Eu me vi
pensando que fui feliz por tanto tempo, mas não contei os dias,
Eu não
escrevi em um diário, não me lembrava de todos eles,
mas eu sabia
que existiram dias felizes e que foram muitos.
Porém isso
tudo não era nada, pois eu estava de mãos vazias.
Eu me vi
pensando que talvez eu devesse começar a contar os dias,
Escrevendo
coisas em um diário. Então os dias não poderiam desaparecer.
E que tal
mudar as coisas no lugar, mudar a mobília, respirar outro ar?
Pegar uma
mala vazia e viajar, sentar no convés de um navio e,
enquanto o
mar desenhasse as ondas,
Eu tiraria
uma lembrança da bagagem e outra, e mais outra,
e jogaria, na vastidão das águas, uma por uma,
até que toda a vida velha se fosse.
Eu poderia, finalmente, eu e aquela mala vazia, viver outra vida,
porque
havia ainda algum tempo,
e
quem sabe, algum espaço fora o nada.
domingo, 1 de outubro de 2017
Cor de Rosa
Hoje é o 01 de outubro e tradicionalmente neste mês
focamos na divulgação do combate ao câncer. É um tempo que ficou reservado para
falar sobre a doença, alertar sobre os exames e prevenção, descobertas da
ciência, recursos novos, estudos inovadores. É também um tempo para pensar nas
pessoas que enfrentam esse desafio.
Eu passei pelo câncer. Hoje vejo que sou mais do
que uma sobrevivente. Sou um ser humano melhor. Minha vida foi peneirada pela
doença. Gosto de pensar na imagem de uma peneira por onde passaram todas as coisas
que eu tinha dentro de mim. E na peneira ficaram as coisas ruins, as coisas que
não me serviam e precisavam ser jogadas fora de uma vez por todas.
Essa história da peneira não é minha. Pedro passou
por uma coisa assim e Jesus o advertiu. A coisa não deve ter sido fácil para
ele, porém o Senhor estava com ele. E é por isso que a peneira é a minha
alegoria preferida nessa tribulação. O Senhor esteve comigo também e cuidou de
mim. E continua cuidando.
Falar da doença é importante. Acredito que a
prevenção e os cuidados com o corpo podem nos ajudar muito, principalmente, nós
mulheres, que temos uma tendência de deixar a nós mesmas no final da lista de
afazeres. Por favor, não se deixe no fim da lista.
Não devemos achar que só cuidar da casa, dos
filhos, do marido, do trabalho e de tantas outras coisas já faz a nossa missão
completa. Não. Você precisa cuidar de você. Que bom que você tem alguém que
quer cuidar e pode cuidar de você! Mas não é outra pessoa que tem que cuidar de
você. É você, por você. É sua responsabilidade. Creio que é assim que a gente
deve caminhar em tudo na vida, na minha opinião.
Se por acaso, você não teve câncer, que ótimo! Me
alegro por você! Porém, mesmo assim você pode ajudar alguém que está passando
pela doença.
Como? Se você não sabe nada? Ouça. Leia. Pesquise,
procure estar aberta para aprender. Seu carinho e companhia a uma amiga em um
momento assim poderá ser de extrema valia. Acima de tudo, esteja pronta para
ouvir.
Procure não usar clichês para consolar alguém. Essa
história de que 'será que você não poderia ter evitado isso?' ou 'foi a vontade
de Deus' ou 'tanta gente passa por isso, você também vai passar' ou 'tem coisa
pior', nenhum comentário desse tipo pode ajudar alguém que esta lutando contra
o câncer.
Nunca saberei se de fato eu poderia ter evitado ter
câncer com as minhas próprias forças. Isso é apenas especulação. E uma coisa
que não aconteceu, e já ficou para trás, portanto, eu nunca vou saber. E faz
alguma diferença saber disso? Não. Você ficar pensando no que poderia ter feito
e se culpando por não ter feito, não vai adiantar de nada, só vai servir para
você se entristecer por ter falhado com você mesma. E realmente isso é uma
coisa estúpida e inútil. Você não é culpada de nada, você não falhou em nada.
As coisas na vida simplesmente são assim, elas acontecem e pronto.
'Foi a vontade de Deus'. sim, claro. Tudo é
permissão de Deus na nossa vida. Porém essa frase fatalista também não ajuda em
nada. Parece até mesmo um castigo merecido. Então, não diga isso para alguém
que está nessa batalha.
É, sim, a vontade de Deus, que você lute, que você
mude, que você cuide da vida que recebeu da melhor forma que você puder. É a
vontade de Deus que você não se entregue, que você tenha fé e acredite em Deus,
que você seja forte, seja corajosa e vença tudo isso.
É também da vontade de Deus que você, que não está
doente, ajude quem está, que estenda a mão, que seja amiga e companheira, que
leve alegria, que converse e brinque e faça essa pessoa ter uma pausinha no seu
coração e na sua mente para esquecer um pouco as tristezas, dúvidas e
incertezas que acompanham a doença e pensar em coisas boas. Com certeza essa
pausa de alegria, amor e carinho, esse momento ‘cor de rosa’, cheio de coisas
alegres e boas conversas vai ajudar muito.
'Tem coisa pior.' Sim, tem. A guerra, por exemplo é
coisa pior. Mas de que adianta essa comparação? Acaso estamos em alguma
competição pra saber quem está sofrendo mais? Isso nos ajuda no quê? A
desmerecer o sofrimento do outro porque achamos sempre que o nosso ou algum
outro sofrimento é pior. Essa frase mais parece um 'cala-boca'. Ela tolhe e
diminui o peso e o significado que a doença tem para cada um que a enfrenta. E
só quem a enfrenta é que sabe o quanto ela pesa, o quanto é feia, assustadora e
triste a face do câncer. Então, não diga isso NUNCA.
Tem mais uma - prometo que essa é a última -
'pérola' que eu ouvi na época da batalha contra o câncer. 'Pense nos seus
filhos'. Oras, eu não fiquei desmemoriada. Eu não esqueci dos meus filhos! Eu
me lembrava muito bem deles! Eu apenas fiquei doente. E durante esse período eu
não pude fazer nada ou quase nada por eles porque eu estava lutando por mim. E
foi o que eu tentei, com todas as forças, fazer. Às vezes, sozinha, às vezes,
acompanhada, Às vezes, com os filhos, às vezes, sem filhos.
Mas qualquer pessoa que me ajudasse não estava lá
25 horas por dia. Somente Deus estava comigo o tempo todo. Então, posso dizer
que em todo trajeto, com gente ou sem gente, fui eu e Deus foi comigo.
Bom, queridas... A vida segue. E se caminhamos mais
leves hoje, tenho no meu coração que é preciso estender o braço para quem se
arrasta com dificuldade pelo caminho. Faça isso da melhor forma que você puder.
Não precisa ter discurso, mas precisa de olho no olho. De abraço, de presença,
de sorriso, de companhia. De amor. Em suas mais variadas formas silenciosas de
ser. Aliás, as silenciosas são as mais verdadeiras.
Você pode ser voluntária. Temos aqui na nossa
cidade a Associação Bragantina de Combate ao Cancêr, a ABCC. Muitas mulheres trabalham
lá, e nem sequer tiveram a doença! Trabalham por que querem ver outros vencer
essa luta. E você pode ser uma delas. Posso dizer por mim, lá é um lugar
alegre, bonito, não tem nada de depressivo ou triste, e você vai encontrar
muita gente do Bem, gente que dá o seu melhor com alegria e com amor.
Um belo domingo para você. E que em outubro agora
você possa separar um tempo para, não só postar laços cor de rosa no Facebook
ou no Instagram, isso é muito fácil e divertido, mas que você possa pensar em,
de fato, fazer algo cor de rosa na vida de alguém. Dar amor, apoio e esperança.
Obrigada a todas as companheiras, amigas queridas
que caminharam comigo, de longe ou de perto, na minha jornada contra o câncer.
Agradeço a Deus todos os dias por todas as pessoas que oraram por mim, e
cuidaram de mim com amor sincero. O amor é o melhor remédio e eu vi a mão do
Senhor através de vocês. E por isso serei sempre grata. Primeiro ao Senhor,
Deus da minha vida e depois a vocês.
E para as amigas, companheiras com as quais tenho
caminhado, que estão lutando, deixo meu respeito e minha admiração por vocês.
Vocês são lindas e vão vencer. Eu creio, pela fé. Um beijo grande a todas.
quarta-feira, 6 de setembro de 2017
TEM QUI
'Professora, TEM QUI LER'? Eu
não sei se respondo o que estou pensando. Por sorte, estou na lousa, de costas
para a classe, escrevendo. Me controlo, respiro fundo, solto da mão o giz e
digo, 'você não TEM QUI nada. Não leia. Fique assim como você está.'
O meu pensamento continua: [Semestre após semestre. Seja medíocre,
seja néscio. É mais fácil. Forme-se (como?) e seja um péssimo
profissional.] É isso que me vem ao pensamento quando escuto essa pergunta,
e creia-me, ela é frequente, quase que diária. Tem vezes que não respondo. Só
olho para o aluno que perguntou. Tem vezes que o meu olhar basta para ele
entender. Tem vezes que não. Então, ele/ela pergunta de novo. Então a resposta
sai, mais seca e dura do que deveria sair. Tem vezes que me dá uma profunda
tristeza. Tristeza de ver tanta preguiça mental, tanta ignorância, tanta
alegria infundada e gutural, de gente que se comporta como gado. Não pensa e
não quer pensar. Gente jovem, cheia de disposição, mas que não pensa em nada,
não reflete, não medita, não analisa suas próprias atitudes, nem o caminho que
está seguindo, onde vai dar. Estão preocupados em comprar um novo celular, uma
moto mais legal. Chegar na classe e ser notado pelos colegas. Usar o tempo de
aula para atualizar seu Facebook ou Instagram. Nada contra o Facebook ou o
Instagram. Eu também tenho, também uso, mas eu penso sozinha, sem eles. Me
lembro do meu pai dizendo sobre esse tipo de pessoa-gado: 'eles estão abaixo
da linha da reflexão.' Que tristeza que me deu quando ouvi ele falar
isso pela primeira vez, eu era praticamente uma criança. E agora, na minha
mente, a voz dele me vem alertando com essa mesma frase. Esse é um
exemplo bem simples do que vejo em sala de aula, mas o analfabetismo ou a falta
de letramento vai muito além disso. Por exemplo, não faz muito tempo, tive uma
funcionária que fazia a arrumação da casa. De vez em quando ela cozinhava. Um
dia, eu estava com tempo e de bom humor, resolvi cozinhar o almoço. Chamei a
moça, 'querida, venha cá, vou ensinar você a fazer uma omelete.'
Ela não vinha. Chamei mais uma vez. Quando ela veio, comecei a explicar,
fazendo. A cara da moça foi se transformando. Terminando o prato, que saiu bem
bonito, colorido pelos ingredientes e inteiro da frigideira de Tefal, eu disse,
entusiasmada: 'olha, só que rápido, fica bonito e não é difícil, não acha?'
Ela me olhou bem séria e respondeu: 'eu não quero aprender.' Será
que eu ouvi direito? Perguntei de novo, a resposta foi a mesma. Fiquei
bem perturbada com a sinceridade dela. Resolvi, portanto, não gastar mais o meu
tempo com ela, e nunca mais lhe ensinei nada. Tem vezes que me sinto um E.T. neste
mundo. Porém, de vez em quando, me deparo com outro E.T. como eu, daí a vida
fica mais suportável. Conversando hoje com novo amigo, derramei meus 'ais'.
Ele, ponderado e compreensivo, também professor, me respondeu: 'se você
alcançar uma única pessoa, terá valido a pena'. Sou arquiteta por vocação. E
professora por vocação. Por isso, continuo.
quarta-feira, 30 de agosto de 2017
ARQUITETO... de Arquitetura ou de Sistemas?
Atualmente está a maior confusão no mercado de trabalho devido ao uso indiscriminado da palavra 'arquiteto'. No entendimento popular está mais ou menos assim definido 'Arquiteto é qualquer um que constrói ou inventa qualquer coisa.' Então hoje vai aí um pouco mais de recheio para você entender essa polêmica e, quem sabe, escolher um lado, o dos Indignados ou dos Conformados com a situação.
O erro começa, como já disse, na aplicação da palavra. Veja a etimologia da palavra 'arquiteto':
[A palavra 'arquiteto' vem do grego arkhitektôn que significa "o construtor principal" (arqui = principal / tectônica = construção) ou "mestre de obras". A compreensão desta etimologia, porém, pode ser expandida na medida em que a palavra 'arché' deixa de ser entendida como "principal" e passa a ser analisada como "princípio". ] Fonte: Wikipedia.
Portanto, usar a palavra 'arquiteto' para sistemas é um erro crasso pois, embora aquele profissional esteja construindo algo, ele não está construindo Arquitetura, e sim tecnologia. Outro erro acontece pois a tecnologia é coisa do início do séc. 20, portanto não tem nada a ver com 'arché', não é antiga, não é a primeira, não é princípio.
É um fiozinho solto e comprido no vestido da senhora 'Pós-Modernidade'.
quarta-feira, 23 de agosto de 2017
'Este Mundo Tenebroso' ou 'Rosinha Perde O Celular No Shopping'
Prezado Professor__________
Hoje, quarta feira, foi um dia terrível para mim. Vi 03 acidentes no trânsito e 01 deles foi quase em cima de mim, entrando na Saraiva dentro do shopping, onde fui procurar um livro. Achei o livro, saí da Saraiva e fui para o estacionamento pegar meu carro. Me dei conta que faltava o celular. Gelei... pensei, 'meu Deus, onde foi parar meu cel?' Eu sou muito, muito, muito, distraída... naquele nível de ver elefantes-cor-de-rosa-voando. Subi correndo de volta para a livraria, pensando 'deixei em cima do balcão do caixa na hora de pagar o livro' porque me lembro bem de ter, naquela hora, olhado as horas no celular. Cheguei na Saraiva e perguntei do celular, ninguém tinha visto e ninguém tinha achado nada. Eu sentia um arrepio gelado me descer pela coluna, pensando nas minhas imagens de edificações icônicas da Arquitetura Clássica, do Renascimento, nas obras preciosas de Bernini e Borromini, Michelangelo, Caravaggio (me passava a galeria dos gênios pela mente). Em seguida fui pensar nos meus contatos (alunos, clientes, familiares e amigos); nos meus emails, nos meus PDFs salvados (alguns raros), nos meus livros virtuais, nas minhas imagens de projeto de Arquitetura e Interiores, tão trabalhadas, depuradas e melhoradas para irem, lindas e maravilhosas, para dentro de um belo portfolio. Me veio a vontade de chorar, mas me contive. Precisava agir rapidamente e chorar não ia me ajudar em nada. Fui lá fora, procurei um segurança, expliquei toda a história, e pedi a ele: 'por favor, você pode ligar no meu celular pois ele está perdido (poderia inclusive estar sobre uma pilha de livros lá na livraria... esquecido) e a moça da livraria está esperando para ver se toca, eles vão procurar sobre os stands...'. Eu arfava, sem folego. O segurança, com um olhar neandertal, me respondeu: 'não posso fazer ligação de celular'. Da vontade de chorar, em segundos mudei para o modo ataque-esse-energúmeno-com-as-duas-mãos-no-pescoço-dele-e-aperte-com-todas-as-suas-forças'. Mas se eu fizesse isso eu perderia minutos preciosos e o meu querido-precioso-tesouro-cheio-de-dados-64gb-celular-novinho-em-folha estaria indo embora em mãos alheias, sabe-se lá se pertencentes a uma boa alma ou a uma alma larápia. Então, virei as costas e corri para o estacionamento, alcancei a porta de vidro automática e quase colidi com um casal que estava entrando (esses tinham cara de alma boa, senti isso quando olhei os dois nos olhos), e tive a brilhante ideia de pedir 'por favor, você me emprestaria seu celular para eu poder ligar para o meu celular que está (coitadinho) perdido (e aflito) em cima (Deus queira) de uma pilha de livros na Saraiva (esperando como criança perdida, a mãe ir buscar). Ele olhou para mim bem calmo, sacou do celular dizendo, 'sim, claro!' enquanto a outra boa alma feminina (que olhos...) me disse em voz suave e terna 'fique calma'. Um único toque e uma outra voz feminina responde... 'pois não?' O moço me passa o cel dele e eu começo a ladainha: 'Moça... (rezando para que ela fosse uma alma boa, mas eu não lhe podia ver os olhos, eu só ouvia aquela voz feminina (para reconhecer se a alma é boa ou não pela voz, demora muito mais tempo e requer muita prática. Eu sou melhor em decifrar pelos olhos) ... 'eu perdi meu celular, você está com ele (claro!), como você se chama e onde você está, me diga por favor... e muito obrigada por atender meu celular!' E a voz suave continuava, parecia que ia rir, mas não riu, sorriu (acho eu que sorriu, pelo barulhinho que fez) e respondeu 'sim, achei' (nessa hora tive certeza, não pelo verbo mas pelo som da sua voz, que ela era uma alma boa) e ela continuou... 'atendi porque a primeira coisa que alguém faz quando perde o celular é ligar de outro celular para o seu celular perdido! (Olha que fofa) e em seguida, me disse rapidamente onde estava. Subi, corri, arfei, transpirei, fui desviando das pessoas e dizendo a mim mesma 'calma, vai desacelerando porque está tudo bem, a moça de voz suave é alma boa que achou seu celular e esta esperando por você em frente aquela loja de sapatos ... no piso...' Oh, céus. Cheguei no piso, virei a primeira esquina e vi mais a frente um banco onde algumas pessoas estavam sentadas olhando seus celulares e cuidando das suas vidas e nem aí com quem passava, porém havia uma moça que olhava ao redor, como quem procurasse alguém. Pensei, 'é ela a alma boa, porque aquela voz combinava com aqueles olhos bonitos e ternos, olhos pretos, levemente amendoados, que estavam quase tão aflitos quanto os meus a procurá-la, mas ela parecia ter mais esperança do que eu. 'Cristiana?', perguntei. Já bem perto dela, ela me sorriu assentindo e se levantou, estendeu a mão branca e fina para mim, nela meu precioso (filho?) celular, intacto, como protegido pelas mãos daquela... fada? (não, não era fada, as fadas são baixinhas) ou anjo? (não, não era um anjo, os anjos são muito altos), daquela alma boa. Peguei o filho (ops!) quer dizer, o celular, balbuciei um agradecimento, dei a volta no banco para dar-lhe um handshake mas ao pegar naquela mão tão branca e tão bondosa... (também sei perceber pelo toque e pelo gesto se uma alma é boa ou se é alma vil e larápia) senti uma paz tão grande e uma ternura e um enlevo que lhe pedi 'posso te dar um beijo?' ao que ela respondeu: 'sim, claro!'. Assim, ela me abraçou, e eu a ela, eu queria chorar no seu ombro, eu queria convidá-la para ser minha amiga do peito, eu queria dizer que ela tinha uma alma boa, olhos que eram duas estrelas no firmamento e um coração de ouro mas eu não disse nada, só disse 'obrigada, mesmo, muito obrigada'. Que linda, só podia ter esse nome mesmo, 'Cristiana', que vem de 'Cristo', que mais eu poderia querer? Orei naquele instante, enquanto a escada rolante me levava para baixo... 'Senhor Jesus, o Cristo, bem sei que o Senhor sempre foi fantástico, mas hoje o Senhor se superou, em tempo e em performance... e estando os Seus anjos ocupados, o Senhor achou uma alma boa para fazer a função de um anjo relâmpago e me abençoar. Puxa vida, muito obrigada, eu não tenho como agradecer. Isso foi incrível. O Senhor merece, como sempre, os parabéns.'
Saindo do shopping, coração descompassado, boca seca, descabelada, provavelmente com a maquiagem borrada, tipo 'elegância zero', me veio à mente aquela nossa conversa de ontem sobre as terças tenebrosas e pensei, 'se há terças tenebrosas, quartas tenebrosas também existem, e pelo jeito esta quarta ficou pra mim, porque o pobre do meu professor já pegou as terças...'. Mas logo depois me lembrei do verso oitavo e último daquele Salmo 4, falei para mim mesma aquelas palavras e, como por mágica, meu coração se acalmou e eu fui voltando ao normal (normal?) e não fiquei mais pensando que a-próxima-quarta-também-poderia-muito-bem-ser-tenebrosa-porque-a-terça-tenebrosa-do-professor-se-repetiu-na-semana-seguinte-então-se-ele-teve-coitaaaado-duas-terças-tenebrosas-e-eu-certamente-terei-duas-quartas-tenebrosas-também. Conclusão: qualquer dia pode ser maravilhoso, como qualquer dia pode ser tenebroso, o que importa é reconhecer a alma boa no seu dia ruim, e ser a alma boa no dia ruim de alguém, e louvar Aquele que as envia para nos abençoar, estando os Seus anjos ocupados neste mundo-meio-maravilhoso-e-meio-tenebroso. Escrevi emendando tudo para você saber como eu perdi o fôlego neste episódio.
Sem mais, despeço-me e afirmo presença na próxima aula, na terça-feira, mesmo horário, mesma sala, mesma universidade.
Grata,
Rosamaria
.
P.S.: E agora me dei conta que não acho o livro comprado!
Hoje, quarta feira, foi um dia terrível para mim. Vi 03 acidentes no trânsito e 01 deles foi quase em cima de mim, entrando na Saraiva dentro do shopping, onde fui procurar um livro. Achei o livro, saí da Saraiva e fui para o estacionamento pegar meu carro. Me dei conta que faltava o celular. Gelei... pensei, 'meu Deus, onde foi parar meu cel?' Eu sou muito, muito, muito, distraída... naquele nível de ver elefantes-cor-de-rosa-voando. Subi correndo de volta para a livraria, pensando 'deixei em cima do balcão do caixa na hora de pagar o livro' porque me lembro bem de ter, naquela hora, olhado as horas no celular. Cheguei na Saraiva e perguntei do celular, ninguém tinha visto e ninguém tinha achado nada. Eu sentia um arrepio gelado me descer pela coluna, pensando nas minhas imagens de edificações icônicas da Arquitetura Clássica, do Renascimento, nas obras preciosas de Bernini e Borromini, Michelangelo, Caravaggio (me passava a galeria dos gênios pela mente). Em seguida fui pensar nos meus contatos (alunos, clientes, familiares e amigos); nos meus emails, nos meus PDFs salvados (alguns raros), nos meus livros virtuais, nas minhas imagens de projeto de Arquitetura e Interiores, tão trabalhadas, depuradas e melhoradas para irem, lindas e maravilhosas, para dentro de um belo portfolio. Me veio a vontade de chorar, mas me contive. Precisava agir rapidamente e chorar não ia me ajudar em nada. Fui lá fora, procurei um segurança, expliquei toda a história, e pedi a ele: 'por favor, você pode ligar no meu celular pois ele está perdido (poderia inclusive estar sobre uma pilha de livros lá na livraria... esquecido) e a moça da livraria está esperando para ver se toca, eles vão procurar sobre os stands...'. Eu arfava, sem folego. O segurança, com um olhar neandertal, me respondeu: 'não posso fazer ligação de celular'. Da vontade de chorar, em segundos mudei para o modo ataque-esse-energúmeno-com-as-duas-mãos-no-pescoço-dele-e-aperte-com-todas-as-suas-forças'. Mas se eu fizesse isso eu perderia minutos preciosos e o meu querido-precioso-tesouro-cheio-de-dados-64gb-celular-novinho-em-folha estaria indo embora em mãos alheias, sabe-se lá se pertencentes a uma boa alma ou a uma alma larápia. Então, virei as costas e corri para o estacionamento, alcancei a porta de vidro automática e quase colidi com um casal que estava entrando (esses tinham cara de alma boa, senti isso quando olhei os dois nos olhos), e tive a brilhante ideia de pedir 'por favor, você me emprestaria seu celular para eu poder ligar para o meu celular que está (coitadinho) perdido (e aflito) em cima (Deus queira) de uma pilha de livros na Saraiva (esperando como criança perdida, a mãe ir buscar). Ele olhou para mim bem calmo, sacou do celular dizendo, 'sim, claro!' enquanto a outra boa alma feminina (que olhos...) me disse em voz suave e terna 'fique calma'. Um único toque e uma outra voz feminina responde... 'pois não?' O moço me passa o cel dele e eu começo a ladainha: 'Moça... (rezando para que ela fosse uma alma boa, mas eu não lhe podia ver os olhos, eu só ouvia aquela voz feminina (para reconhecer se a alma é boa ou não pela voz, demora muito mais tempo e requer muita prática. Eu sou melhor em decifrar pelos olhos) ... 'eu perdi meu celular, você está com ele (claro!), como você se chama e onde você está, me diga por favor... e muito obrigada por atender meu celular!' E a voz suave continuava, parecia que ia rir, mas não riu, sorriu (acho eu que sorriu, pelo barulhinho que fez) e respondeu 'sim, achei' (nessa hora tive certeza, não pelo verbo mas pelo som da sua voz, que ela era uma alma boa) e ela continuou... 'atendi porque a primeira coisa que alguém faz quando perde o celular é ligar de outro celular para o seu celular perdido! (Olha que fofa) e em seguida, me disse rapidamente onde estava. Subi, corri, arfei, transpirei, fui desviando das pessoas e dizendo a mim mesma 'calma, vai desacelerando porque está tudo bem, a moça de voz suave é alma boa que achou seu celular e esta esperando por você em frente aquela loja de sapatos ... no piso...' Oh, céus. Cheguei no piso, virei a primeira esquina e vi mais a frente um banco onde algumas pessoas estavam sentadas olhando seus celulares e cuidando das suas vidas e nem aí com quem passava, porém havia uma moça que olhava ao redor, como quem procurasse alguém. Pensei, 'é ela a alma boa, porque aquela voz combinava com aqueles olhos bonitos e ternos, olhos pretos, levemente amendoados, que estavam quase tão aflitos quanto os meus a procurá-la, mas ela parecia ter mais esperança do que eu. 'Cristiana?', perguntei. Já bem perto dela, ela me sorriu assentindo e se levantou, estendeu a mão branca e fina para mim, nela meu precioso (filho?) celular, intacto, como protegido pelas mãos daquela... fada? (não, não era fada, as fadas são baixinhas) ou anjo? (não, não era um anjo, os anjos são muito altos), daquela alma boa. Peguei o filho (ops!) quer dizer, o celular, balbuciei um agradecimento, dei a volta no banco para dar-lhe um handshake mas ao pegar naquela mão tão branca e tão bondosa... (também sei perceber pelo toque e pelo gesto se uma alma é boa ou se é alma vil e larápia) senti uma paz tão grande e uma ternura e um enlevo que lhe pedi 'posso te dar um beijo?' ao que ela respondeu: 'sim, claro!'. Assim, ela me abraçou, e eu a ela, eu queria chorar no seu ombro, eu queria convidá-la para ser minha amiga do peito, eu queria dizer que ela tinha uma alma boa, olhos que eram duas estrelas no firmamento e um coração de ouro mas eu não disse nada, só disse 'obrigada, mesmo, muito obrigada'. Que linda, só podia ter esse nome mesmo, 'Cristiana', que vem de 'Cristo', que mais eu poderia querer? Orei naquele instante, enquanto a escada rolante me levava para baixo... 'Senhor Jesus, o Cristo, bem sei que o Senhor sempre foi fantástico, mas hoje o Senhor se superou, em tempo e em performance... e estando os Seus anjos ocupados, o Senhor achou uma alma boa para fazer a função de um anjo relâmpago e me abençoar. Puxa vida, muito obrigada, eu não tenho como agradecer. Isso foi incrível. O Senhor merece, como sempre, os parabéns.'
Saindo do shopping, coração descompassado, boca seca, descabelada, provavelmente com a maquiagem borrada, tipo 'elegância zero', me veio à mente aquela nossa conversa de ontem sobre as terças tenebrosas e pensei, 'se há terças tenebrosas, quartas tenebrosas também existem, e pelo jeito esta quarta ficou pra mim, porque o pobre do meu professor já pegou as terças...'. Mas logo depois me lembrei do verso oitavo e último daquele Salmo 4, falei para mim mesma aquelas palavras e, como por mágica, meu coração se acalmou e eu fui voltando ao normal (normal?) e não fiquei mais pensando que a-próxima-quarta-também-poderia-muito-bem-ser-tenebrosa-porque-a-terça-tenebrosa-do-professor-se-repetiu-na-semana-seguinte-então-se-ele-teve-coitaaaado-duas-terças-tenebrosas-e-eu-certamente-terei-duas-quartas-tenebrosas-também. Conclusão: qualquer dia pode ser maravilhoso, como qualquer dia pode ser tenebroso, o que importa é reconhecer a alma boa no seu dia ruim, e ser a alma boa no dia ruim de alguém, e louvar Aquele que as envia para nos abençoar, estando os Seus anjos ocupados neste mundo-meio-maravilhoso-e-meio-tenebroso. Escrevi emendando tudo para você saber como eu perdi o fôlego neste episódio.
Sem mais, despeço-me e afirmo presença na próxima aula, na terça-feira, mesmo horário, mesma sala, mesma universidade.
Grata,
Rosamaria
.
P.S.: E agora me dei conta que não acho o livro comprado!
sexta-feira, 11 de novembro de 2016
Inquietude
Lucy, com preguiça de subir a escada, deitou-se no sofá. Fui lá, pequei-a no colo e a levei pra cima. Fechei a porta do quarto para garantir que não saísse. Contrariada, ela levantou da cama e entrou no banheiro, subiu na pia e alcançou a janela zenital que é onde ela gosta de ficar, bem no alto observando tudo e ninguém podendo pegar nela. Tranquila por saber que ela estava dentro de casa, voltei para minha cama. Estranhei o silêncio, achei melhor ir ver. Ela não estava mais. Pulou para o quintal e sumiu na noite. Desci as escadas esperando encontrá-la lá em baixo no jardim. Que nada. Ganhou o mundo, sumiu no meio da escuridão. Fui ver na rua, chamei, chamei, nada. A rua estava tão vazia, um silêncio, um frescor no ar tão agradável, que eu quase a desculpei por ter saído. Fiquei tentada a dar uma volta mas me dei conta da insensatez que seria isso. Eu, lá fora, aquela hora da madrugada, de camisola, chamando pela gata. Que cena patética. E se um vizinho me vê? Morro de vergonha. Resolvi entrar e me conformar. Tranqueia porta na esperança de ouvir um barulhinho dela voltando. Nada. Apaguei a luz do corredor. A casa ficou completamente no escuro. Deitei. Voltei para o livro. Não conseguia mais me concentrar para ler. Essa filha peluda adolescente sai e não tem hora pra voltar. Eu queria muito saber onde ela foi. Será que foi namorar? Mas ela é castrada. Mesmo assim, pode ter algum amigo. Ah, me senti ridícula, elucubrando sobre a vida amorosa da gata. Deixa pra lá. Já que não conseguia ler, me aquietei para esperar o sono. Fiquei pensando no ar da rua, no sumiço da gata. Na noite cálida lá fora que oferecia suas estrelas a quem quisesse. E não havia ninguém para querê-las.Talvez só os gatos. Como o ser humano é tonto.
Assinar:
Postagens (Atom)