quarta-feira, 6 de setembro de 2017

TEM QUI

'Professora, TEM QUI LER'? Eu não sei se respondo o que estou pensando. Por sorte, estou na lousa, de costas para a classe, escrevendo. Me controlo, respiro fundo, solto da mão o giz e digo, 'você não TEM QUI nada. Não leia. Fique assim como você está.'  O meu pensamento continua: [Semestre após semestre. Seja medíocre, seja néscio. É mais fácil.  Forme-se (como?) e seja um péssimo profissional.] É isso que me vem ao pensamento quando escuto essa pergunta, e creia-me, ela é frequente, quase que diária. Tem vezes que não respondo. Só olho para o aluno que perguntou. Tem vezes que o meu olhar basta para ele entender. Tem vezes que não. Então, ele/ela pergunta de novo. Então a resposta sai, mais seca e dura do que deveria sair. Tem vezes que me dá uma profunda tristeza. Tristeza de ver tanta preguiça mental, tanta ignorância, tanta alegria infundada e gutural, de gente que se comporta como gado. Não pensa e não quer pensar. Gente jovem, cheia de disposição, mas que não pensa em nada, não reflete, não medita, não analisa suas próprias atitudes, nem o caminho que está seguindo, onde vai dar. Estão preocupados em comprar um novo celular, uma moto mais legal. Chegar na classe e ser notado pelos colegas. Usar o tempo de aula para atualizar seu Facebook ou Instagram. Nada contra o Facebook ou o Instagram. Eu também tenho, também uso, mas eu penso sozinha, sem eles. Me lembro do meu pai dizendo sobre esse tipo de pessoa-gado: 'eles estão abaixo da linha da reflexão.' Que tristeza que me deu quando ouvi ele falar isso pela primeira vez, eu era praticamente uma criança. E agora, na minha mente, a voz dele me vem alertando com essa mesma frase. Esse é um exemplo bem simples do que vejo em sala de aula, mas o analfabetismo ou a falta de letramento vai muito além disso. Por exemplo, não faz muito tempo, tive uma funcionária que fazia a arrumação da casa. De vez em quando ela cozinhava. Um dia, eu estava com tempo e de bom humor, resolvi cozinhar o almoço. Chamei a moça, 'querida, venha cá, vou ensinar você a fazer uma omelete.'  Ela não vinha. Chamei mais uma vez. Quando ela veio, comecei a explicar, fazendo. A cara da moça foi se transformando. Terminando o prato, que saiu bem bonito, colorido pelos ingredientes e inteiro da frigideira de Tefal, eu disse, entusiasmada: 'olha, só que rápido, fica bonito e não é difícil, não acha?' Ela me olhou bem séria e respondeu: 'eu não quero aprender.'  Será que eu ouvi direito? Perguntei de novo, a resposta foi a mesma. Fiquei bem perturbada com a sinceridade dela. Resolvi, portanto, não gastar mais o meu tempo com ela, e nunca mais lhe ensinei nada. Tem vezes que me sinto um E.T. neste mundo. Porém, de vez em quando, me deparo com outro E.T. como eu, daí a vida fica mais suportável. Conversando hoje com novo amigo, derramei meus 'ais'. Ele, ponderado e compreensivo, também professor, me respondeu:  'se você alcançar uma única pessoa, terá valido a pena'. Sou arquiteta por vocação. E professora por vocação. Por isso, continuo.

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