terça-feira, 4 de novembro de 2014

Agenda

Eu não tenho mais agenda. Eu não quero mais ter agenda. Resolvi que não vou comprar uma nova. Percebi que a agenda me atrapalha. Primeiro porque eu quero anotar tudo, cada coisa, tarefas misturadas com pensamentos e desenhos. Aquilo vai ficando uma rabisqueira. Segundo porque ela me estressa. As coisas não acontecem só porque estão escritas em um papel. Escrevê-las no papel nos dá uma sensação de controle, mas é uma ilusão.
Agenda de papel, agenda no celular. Ah, tenha dó. A gente não vive, mas anota. Se foi pra anotar, prefiro escrever um texto, uma história. Acho que nasci contadora de histórias. Minha mãe era contadora de histórias. Culpa dela. A agenda não nos faz mais eficientes, porém nos torna mais sofridos, estressados. Se for pra controlar alguma coisa, é melhor ter uma secretária. Eu não nasci pra controlar nada. Talvez, com alguma sorte, eu possa criar alguma coisa. Isso sim, é um propósito. É uma veia que lateja em mim, a criação. O controle deixo pra outras pessoas. Há quem tenha talento pra isso.
O que eu vou fazer hoje? Se a resposta não estiver na minha cabeça logo após eu acordar, é porque não é tão importante assim. E se não é tão importante assim, pra que a pressa? Eu não corro mais pra nada. O tempo é a coisa mais estranha do mundo. Você tem mas não pode dar. Você tem mas não pode guardar. Se estiver sobrando, gasta mas se estiver faltando nada o repõe. O mundo grita e esperneia porque quer o meu tempo, a minha atenção. E eu gasto meu tempo com coisas que os outros querem que eu faça ou pense. Me chamem de egoísta mas eu preciso de tempo comigo. Onde já se viu, a pessoa mais importante do mundo pra mim não ter o meu tempo? Quando digo mais importante, não quero com isso parecer pretensiosa. É a mais importante porque eu moro nela. Eu e eu. Não tenho como fugir disso. E essa pessoa que eu sou foi sempre o meu maior desafio. Como funciona? Quando quebra, como conserta? Então, a vida segue. Irregular. Indomável. Imprevisível. Indescritível. Incontrolável. Inagendável. Livre como o vento. E como o vento, vem, bate, sacode de leve (ou não) a gente como um trigo. E quem sabe leve a palha, que não presta pra nada. E fique o grão, o momento.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Armadilhas Explicativas

Onde você vai? Não sei, vou sair. Agora já ninguém mais pergunta e de certa forma isso é muito bom. Dar satisfação cansa. Cansa porque quanto mais a gente explica, menos os outros entendem. Quanto mais se fala, menos valor se dá para o discurso. Sonho com o dia em que não direi nada e não sentirei com isso nenhum remorso. Certamente, algumas coisas vão se perder. Terei que dizer adeus. Mas um adeus simples e puro, sem explicações. Um adeus leve, acompanhado de uma mala pequena para uma viagem longa.
Alguém me disse que na fase em que estou tenho que fazer uma viagem sozinha. É uma receita terapêutica. "Faça uma viagem sozinha", um amigo me diz. Me imagino no convés de um navio, a despejar no mar minha bagagem imaginária.
Isso seria libertador. Sonho com o dia que viverei o que sonho, sem relógio nem obrigações, no lugar que escolhi. Porém sempre haverá o dever. Sempre se deve alguma coisa a alguém. Sempre uma satisfação a dar, ainda que tudo seja claro e notório, as pessoas querem explicações. Hoje ouvi um conselho: "cuidado com as armadilhas explicativas!". Fiquei pensando nisso e vi que eu caio sempre nelas. Estou sempre me sentindo na obrigação de me explicar, como se eu falasse outra língua, como se eu viesse de outro planeta e ninguém soubesse o que eu sou, ou quem eu sou. Como se a explicação me fosse diminuir alguma culpa. Será que é culpa? Culpa pelo quê, não sei. Coisa para se pensar no divã do analista. Explico, deixo recado, escrevo bilhete. Agora, para ajudar, tem essa praga de rede social. Dizem que é útil. Útil, pra quem? Já vi que pra mim, não é. Me estorva. Me cansa o palavrório que nada diz. Vazio de tudo, e ainda assim vibrante, cheia de novidades. Como pode, não sei.
Guardo a foto da praia na gaveta, triste. Assim como a rede de sarja de algodão listrada de azul marinho e branco.
Um dia, inverto. Ponho todas as coisas que eu não gosto dentro de uma mala e solto todas as que amo. Será divertido. Será maravilhoso ir para um novo lugar e ficar. Um lugar novo, uma vida nova, sem explicações. Quem entendeu, ótimo, quem não entendeu, não vai entender nunca, nem que eu me explique com milhões de palavras. Ora, mas já não está escrito nos meus olhos o que eu sou?
Inveja da gata, que sai de noite e perambula por onde bem entende, independente da minha aflição. Quando ela volta, mia, faz chamego. Eu pego no colo, feliz porque ela voltou. E ela, feliz, porque não tem que me explicar nada.
Um dia, vou, fico e faço como quiser. Um dia, perco o medo das armadilhas explicativas.
Sinto que esse dia está cada vez mais perto, mais perto do que as pessoas imaginam e mais longe do que eu gostaria.
Nesse dia, respirarei sem amarras. Sentirei o prazer de se viver sem dever.
Viver da melhor forma que eu posso com o que eu tenho. Ainda que eu não tenha quase nada.
E sem ter nada, poder ficar em silêncio diante do mistério e da beleza do mar, de se viver com menos coisas, de se viver a vida pela sua essência. E só.

Amigos

Amigos não se medem pela distância.
Amigos não se medem pelos elogios rasgados, nem pelos favores que nos fazem, nem pela prestação de serviços.
Pessoas não são amigas só porque nos enviaram um telegrama.
Pessoas não se tornam amigos só porque nos trazem presentes.
Pessoas não se tornam amigos fazendo longos discursos, mesmo porque, diz um velho ditado que "quanto mais longo é um discurso, pior ele é".
Pessoas não se tornam mais amadas só por nos darem carinho físico, às vezes, um carinho tão pesado e sufocante, que nossa fragilidade momentânea não pode suportar.
Pessoas nem sempre se tornam amigas só por terem o mesmo sangue.
Conhecidos não se tornam amigos por frequentarem os mesmos lugares.
Amigos não deixam de ser amigos porque o tempo ou a vida os levou para direções opostas.
Amigos se medem pelo amor guardado nos seus corações, porque esse amor os leva a pensar sempre em nós, sendo-lhes impossível nos esquecer.
Amigo é aquele cujo coração sofre no primeiro segundo em que sabem que estamos sofrendo.
Amigos são aqueles que pedem, choram e clamam ao Pai por nós e, com suas lágrimas, regam nossas feridas.
Amigos são os que nos carregam em seus corações e querem, de bom grado, ajudar a carregar o nosso fardo.
Amigos jamais impõem sua presença.
Amigos são aqueles de poucas mas sinceras palavras, mas palavras escolhidas entre as mais excelentes, palavras de amor, de sabedoria, de conselho, de esperança, de retidão.
Amigos são aqueles que se esforçam para nos avisar, da melhor maneira e com as melhores palavras, que estamos, sem perceber, desviando nosso barco do rumo correto.
Amigos são aqueles que, com toda suavidade e amor que tem, cuidam daqueles que amamos, quando não nos é possível cuidar. São aqueles que, sem pensar duas vezes, largam tudo o que estão fazendo e vêm ao nosso encontro para nos socorrer.
Amigos são aqueles que nos abrem a sua alma e, rasgando seu próprio coração, choram a nossa dor. Ou, ao contrário, superando suas próprias tristezas, se alegram com a nossa alegria.
Amigos são aqueles que, estendendo seus braços, transpõem todas distâncias do mundo, cruzam continentes, atravessam mares, lutando para chegar, o mais rápido possível, perto de nós.
São os que sem palavras, olham nos nossos olhos e, vendo nossa dor, choram, se colocam humildes e emudecidos ao nosso lado.
Amigos são aqueles que, no silêncio, choram, pedindo e clamando, de joelhos, em oração diante do Pai, o Único que pode verdadeiramente socorrer a todos, em tudo.